JM
É urgente a luta pela educação
Artigo
MP 979 é o mais recente ataque do governo a educação pública brasileira, seguindo a linha de vários governos de caráter autoritário ao longo da história

Manifestação contra os cortes na educação, em 15.03.2019, São Paulo. Foto: Júlia Lee
Lays Vieira
Quem me conhece sabe que eu não me simpatizo muito com União Nacional dos Estudantes (UNE). Pelo contrário, tenho várias críticas. Mas, hoje gostaria de resgatar - vocês vão entender o porquê no final - um tempo em que a UNE era de fato uma entidade estudantil, que lutava pela educação, não um escritório de burocratas e picaretas especializados em emitir carteirinhas de estudante. No fim dos anos de 1950 e início dos de 1960, a UNE era muito influente e poderosa. E eu gostaria de relembrar isso na figura de Raimundo Emanuel Bastos de Eirado Silva, presidente da entidade entre agosto de 1958 e julho de 1959.
Segundo o acervo de documentos biográficos da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Eirado nasceu em Salvador, cursou Direito na Faculdade Nacional de Direito da Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e foi eleito presidente da UNE durante o XXI Congresso da entidade, realizado em Bauru (SP). Já no início de seu mandato, a UNE cobriu sua fachada de luto com a frase “Go home, Foster Dulles”, devido a visita do então secretário de Estado norte-americano John Foster Dulles, chamando a atenção até mesmo dos Estados Unidos. Nessa época, também apoiaram o general português Humberto Delgado, asilado político em Portugal e ameaçado de morte pelo regime ditatorial de Oliveira Salazar. Promoveu-se campanha nacional pela saída de Roberto Campos da superintendência do Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), pois este estava a forçar as empresas brasileiras interessadas na exploração do petróleo boliviano, via Acordo de Roboré, a receberem financiamento da Pan-American Land Oil & Royalty Company, sob condições de completa desnacionalização. Deu certo e Campos foi exonerado. Foi sob a presidência de Eirado também, que a UNE reconheceu o governo da Revolução Cubana (1959).
Eirado deixou a presidência da UNE em julho de 1959, durante o XXII Congresso da entidade, realizado na Universidade Rural do Rio de Janeiro. Entretanto, quando veio o golpe de 1964 e os militares criaram o Inquérito Policial Militar (IPM) da UNE, Eirado foi preso por algum tempo, posteriormente foi solto, mas o IPM continuava e na capa do inquérito dizia: “Raimundo Emanuel Bastos do Eirado Silva e outros”.
Mas, porque eu estou a falar de tudo isso? Desde a eleição de Jair Bolsonaro (sem partido) a educação pública vem sendo diariamente atacada e desmantelada. O mais recente golpe fascista sobre ela foi a MP 979 que dispõe sobre a designação de dirigentes pro tempore (temporariamente) para as instituições federais de ensino durante o período de pandemia. Seguindo o bem querer do ministro da educação e sem qualquer necessidade de qualificação na área. Obviamente algo inconstitucional, mas que segue a linha de atuação do governo de atacar e recuar a depender das reações.
Ai você imagina que eu estou a falar disso tudo pois, como sou professora, obviamente vou pautar e defender meus interesses e pares. Sim, isso faz parte. Mas, não é essa a justificativa principal. A escola pública, especialmente as universidades, são sim espaços de formação de mão-de-obra, que segue muito constantemente uma lógica produtivista e de mercado, mas devemos nos lembrar de duas coisas: nesses espaços todos somos trabalhadores, os alunos (seja porque já trabalham para além dos estudos, seja por ser trabalhadores em formação), os professores, os técnicos, os terceirizados, etc; por outro lado, esse espaço é contraditório e há brechas para adquirir conhecimento e vivências que permitam uma tomada de consciência e autonomia desses sujeitos enquanto atores sociais, uma vida que seja para além de simplesmente trabalhar, consumir e pagar as contas até envelhecer. E muitas dessas brechas são abertas justamente pelas reflexões que as humanidades nos apresentam.
Não é coincidência ela ser a área da ciência mais atacada pela extrema-direita no poder.
E não, eu não estou falando isso porque sou dessa área, mas porque todos, independentemente da carreira que escolha deve ter a oportunidade de perceber o mundo para além da lógica fetichizante do capital, que desumaniza a todos. Ao escrever essas linhas, me lembrei de uma aluna do ensino médio que, em certa vez em uma discussão sobre disciplinas a serem oferecida para os alunos, já dentro da lógica de ataque do atual governo, ela disse algo mais ou menos assim: "eu quero fazer medicina, eu não vou cursar algo nas humanas, mas eu quero poder chegar em casa e assistir a um jornal e entender o que está se passando na cidade e no mundo em que eu vivo, eu quero entender quando aparecer algum fato de geopolítica ou de economia, eu quero saber opinar em uma eleição. Só porque eu não vou fazer um curso de humanas não significa que eu não sei e não defendo a importância deles".
Então, o que eu quis dizer com isso tudo? Que nós precisamos, urgentemente, enfrentar esses ataques. A universidades, ainda mais em um momento onde a ciência é tão necessária, não deve se calar, ela deve ter a coragem de pautar e falar ao público como representantes do acumulo humano de conhecimento e com apoio dos estudantes e demais membros, porque somos também todos trabalhadores: atacados, uberizados, desqualificados em prol de uma lógica conservadora e neoliberal, que nos aliena e nos mantem como massa substituível de mão de obra barata. Lutemos!