Marcus Vinícius Beck
Precisa-se com urgência de romantismo – e por que não? – cafajestagem
Em um mundo cada vez mais objetivo, muito objetivo, e sem as necessárias palavras românticas, em um mundo cada vez mais dos “finalmente” e não das preliminares – o verdadeiro tesão da arte milenar de amar –, em um mundo cada vez mais Tinder e menos “Love me tender”...
Em um mundo cada vez mais whatsapp e menos, bem menos, blow job, digo, em um mundo que prefere o sexo verbal ao oral... Em um mundo cada vez mais dos aplicativos da loja virtual Google Play, onde o toque na pele da moça, nos lábios, no pescoço, foi trocado pelo carinho estéril e frívolo na tela do smartphone...
Em um mundão velho e perdido, esses seres desalmados, boêmios, eita, carecem de reaprender os meandros românticos da canção popular e brega (dane-se, caralho!) o caminho do roçado amoroso, dos sofredores, dos apaixonados e, de vez em quando, idiotas – pois como diz Fernando Pessoa “não conheço nenhuma outra razão para amar senão o amor”.
Este humilde cronista de costumes toma um rabo-de-galo sentimental na bodega da esquina e relembra os monumentais pés na bunda que levou na vida. Incontáveis fracassos amorosos que humanizaram neste animal que vos escreve. Faz parte.
A dor, todavia, foi curada ao som de uma criatura especialíssima que partiu há exatos cinco anos... Traz outra, seu Leandro, por favor. E segue a sofrência. Ele se foi em 8 de fevereiro de 2012. Morreu para você, fã ingrato, macho insensível, roqueiro reacionário, modista, pós-moderno. Morreu para você, bossanovista jazzístico, não para mim, não para este réptil do amor, do tesão e da sorte.
Morreu para você que não canta bêbado no bar mais fuleiro, porque prefere cervejas importadas a velha e boa Bavaria de cada dia.
Uma das poucas coisas que me orgulho na vida é de ter tido êxitos sensacionais com mulheres. Sou feio para caralho, e cultuo hábitos que deixariam o mestre mor da crônica desleixada, Xico Sá, cabisbaixo. Eu e ele temos algo em comum: o amor incondicional pela birita, pelas mulheres, pela literatura e, é claro, pela boa e velha música de corno (algum problema?).
Vai que é tua, Wando:
“É tão normal ser desamor
É tão cafona é sofredor
Que eu já nem sei
Se é meninice ou cafonice o meu amor
Se o quadradismo dos meus versos
Vai de encontro aos intelectos
Que não usam o coração como expressão...”
E viva o cafajeste Wando. O importante é não deixar morrer suas lições de amor devoto, implícito e romântico – sim, amor romântico não é o que psicanalistas bradam por aí, não.
O menino mineiro poderia ter partido desta para outra sem contribuir com a mitologia do cafa ultra romântico brasileiro. Mas que contribuição, hombre!
Of course. Sem mais choro, segue o que temos, homens insensíveis, a aprender com as canções de Wando:
1 – Que a devoção às mulheres é obrigatória: “Você é luz, raio, estrela e lular...” Quem nunca cantou essa precisa urgentemente rever seus conceitos.
2 – Que brochada ou broxada (o dicionário admite qualquer grafia para o fracasso masculino) é um ato de extrema delicadeza: “Beijo suas costas e nada.../ caem dos meus olhos duas lágrimas geladas”.
3 – Que bem melhor do que pendurar quadros de vanguarda na parece é esbanjar uma invejosa coleção de calcinhas. Ao lançar Tenda dos prazeres, em 1990, Wando faz uma promessa para que as moças jogassem calcinha no palco. A coisa não só pegou, como virou marca registrada do cafa.
4 – Que não se deve estranhar hoje o que se pode fazer mais gostoso logo adiante: “Moça, me espere amanhã”
5 – Que em uma mulher não se bate nem com uma flor: “Nossa Senhora das fêmeras proteja toda mulher/ Desses perigos do mundo/ venha de onde vier/ Livrai dos homens malvados, sem piedade, sem dô/ Ôoo, que batem, xingam, machucam, quando não fazem pior...”
6 – Que a vida íntima tem de ficar entre quatro paredes: “Eu te quero assim/ Safada, sacana/ Me pedindo grana/ Ouvir seu gemido/ Quando a gente ama/ Guardar em segredo/ O que a gente faz...”
7 – Que toda mulher nasceu para viver de amor: “Toda mulher gostar de ser trata com muito carinho/ Uma mulher tem um desejo louco/ Mas no fundo seu coração quer as coisas mais simples do mundo...”
8 – Que os corpos se entendem, mas as almas muitas vezes não: “Razões tenho demais pra te deixar e ir embora/ O que é que eu vou fazer/ O que é que eu vou dizer para o meu corpo/ Que vai ficar vazio e quase morto”.
9 – Que fazer carícias no corpo de uma mulher é fundamental: “Toda mulher/Sente o gosto das delícias/ De quem souber incendiar/ Seu corpo com carícias...”
10 – Que nunca, jamais, deve-se desembocar em discussões complicadas e labirínticas: “Seu coração só quer as coisas mais simples do mundo/ Uma mulher só nasce para viver de amor...”
É isso aí, Paulo César Pereio, canalha mor do cinema brazuca. O cafajeste fez de Nuno Leal Maia o maior corno, em Dama da Locação, do genial Neville d´Almeida, que levou à telona o clássico conto do tio Nelson Rodrigues.
Forte abraço, cafajestes do cerrado. Saúde a todos. Até a próxima semana.