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  • Marcelo Rocha

Papo Negro


Bom, estrear uma coluna nunca é algo muito legal, pois às vezes escrevemos o primeiro e o último artigo já em uma cajadada só, principalmente pelo assunto que vou tratar durante essas terças feiras com vocês e pra começar não havia outra forma a não ser falar de mim, eu, um homem negro.

Eu poderia começar com um texto polêmico como alguns esperam, mas vamos deixar isso para os próximos dias, ainda temos muitos papos a frente e quero que esse canal seja uma forma de trazer não somente a questão racial para o negro, mas pra um todo.

Essa semana estava pelo metrô de São Paulo e tinha um anúncio onde havia como modelo um jovem negro e estava escrito "Você não precisa nem falar pra ser ouvido", o anúncio é sobre um aplicativo do metrô, mas me chamou muita atenção, pois reflete naquilo que a imagem propõe, tanto no metrô, pois o usuário nem fala, pois sabe que não é ouvido então passa por dias e dias enlatado em vagões do metro, assim como o negro perante a sociedade, apesar de ouvir todos os dias coisas semelhantes, "nós te entendemos", "sabemos o que você passa", "Não precisa nem falar eu sei que a polícia mata".

A grande semelhança se da, pois em ambas as situações não há uma preocupação com a demanda e o disfarce falando que compreende é o do estereótipo e muitas vezes vamos estar sujeitos a estereotipar a dor, da mulher, do negro, do LGBT. O estereótipo da dor é muito cômodo, pois ele retira a base do que é humano, que é ouvir o outro, lembro até uma vez onde fiquei muito impactado. Eu fazia ação social (assistencialismo) com moradores em situação de Rua e fui levar uma sopa pra um desses e lembro que ele me disse uma frase: "Eu já comi essa noite não tenho fome, mas um abraço cairia bem", achamos que por estar em situação de rua a única necessidade em uma noite fria é comer, mas quando paramos e ouvimos aquilo que o outro tem a dizer sabemos que vai muito além daquilo.

O estereótipo cria a dinâmica do completo, como se aquilo que achamos que é necessário pelo que ouvimos falar vai deixar o outro completo. Somos pretos, somos um, mas eu não posso colocar na cabeça o meu sapato que não vai encaixar, eu preciso "ouvir" aquilo que é necessário para a cabeça.

Não há um que "não precisa nem falar pra ser ouvido", a escuta é a principal fonte de qualquer coisa, escutar o "especialista em negros" nunca será escuta-lo. Toda voz tem seu valor.

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