Marcus Vinícius Beck
A luz negra apagou-se
Boêmio lírico como Noel Rosa, o cantor Luiz Melodia foi um sambista a vida toda. Entretanto, é difícil denominar e colocar sua obra dentro de algum gênero musical. Antes de tudo e sobretudo, Melodia experimentou ritmos. Foi do funk ao rock, passando pelo blues e jazz. Este foi Melodia.
Embora pensasse que criava sambas para honrar as tradições do morro do Estácio, na verdade ele estava subvertendo ao gênero de uma forma simplesmente sensacional. Aproximar Billie Holiday do samba-canção dor de cotovelo de Lupcinio Rodrigues parecida a coisa mais normal do mundo.
E era. Ao menos para Melodia. Seu reportório não era claramente divido entre canções românticas e outras ligadas a temas sociais, como fizeram vários artistas, dentre eles Gonzaguinha, por exemplo. Sim, Melodia falava de amor enquanto elencava personagens como a mulher que fica em casa lavando roupa todos os dias. Isto era a crítica dele. Afinal, Melodia viera do morro.
Inúmeras vezes foi tido, ao lado de gente como Ângela Rô Rô, Walter Franco e Jards Macalé, como marginal. Inclusive, as gravadoras não gostavam de contratá-lo, pois, como se sabe, nem sempre os anseios da indústria fonográfica não os mesmos do artista. Melodia sublimemente queria fazer música. Ponto.
Em 1973, quando lançou o disco ‘Pérola Negra’, que até hoje causa espanto por causa da sonoridade, muitas acharam que seria praticamente impossível repetir o êxito musical do primeiro trabalho. No entanto, três anos depois, em 1976, Melodia lança ‘Maravilhas contemporâneas’, que também causou impacto. Ambos pareciam trabalhos maduros, de quem está há anos na estrada.
Na verdade, tanto o primeiro como o segundo foram um jorro de ideias musicais, inovadoras, de vigor, que aparecem disfarçados de obra refinada com muito esmero. Todavia, nas décadas seguintes, Melodia fez álbuns que não lhe renderem boas críticas. Era claro: não aceitava palpite na escolha do repertório. Saiba o que queria.
Assim, sua primeira música de qualidade foi direcionada para um público cada vez menor. Em seguida, porém, teve orientações de Tom Zé, que ficou famoso por causa de declaração do baixista do Talking Heads, e Jards Macalé para lançar suas obras fonográficas em mercados independentes e para shows em circuitos alternativos.
“O lance fonográfico era barra. Se pudessem, eles te usavam de maneira que você não mostrava sua arte. Queriam só números, e eu não estava viajando naquela onda”, afirmou Melodia, durante entrevista sua última entrevista à Folha de São Paulo. “Começou uma coisa maluca e os caras não entenderam o que eu queria e começaram a me ver como difícil”.
Após a morte de Melodia, o mundo da música também estremeceu. A rainha da tropicália, Gal Costa, diz “te amo, minha pérola negra”. Mestre da MPB, Caetano Veloso afirma que a última quinta-feira (3) foi um dia triste. “Muito triste pela partida de Luiz Melodia. Vamos sentir sua falta”, afirma o autor de ‘Transa’.
Já o guitarrista e compositor Roberto Frejat lembrou a qualidade da voz de Melodia. “Sempre foi e provavelmente continuará sendo a voz mais bonita da música brasileira”, sentencia o ex-líder do Barão Vermelho.
Recentemente, numa de suas últimas aparições, no Prêmio Música Brasileira do ano passado, cantou “Grito da Alegria”, de Gonzaguinha, em dueto com Ângela Rô Rô. Gente que adora transgredir. Gente que não é bem quista pelos empresários da música. Gente que jamais se dobra. Gente que faz muita falta quando toca o último acorde ou canta a última frase.