Marcus Vinícius Beck
Ensaio sobre a perversidade nas ruas
Goiânia, 18h, pôr do sol, motorista com a mão emperrada na buzina... Bbbllliiimmmm-bbblllléééééémmmmmm. Em horários de pico, a cidade torna-se praticamente intransitável – seja por pedestres, ciclistas e usuários do transporte coletivo. Sossego não há. A busca frenética por manter o status quo não dá chance para cordialidade.
Sim, nobre leitor, o trânsito na capital é esdrúxulo, mal-educado e cínico. Órgãos que deveriam fiscalizá-lo, provavelmente, têm seus funcionários com os pés estirados sobre as mesas das repartições. E o pedestre, que deveria poder caminhar livremente pelo espaço urbano, precisa de tomar cuidado para não ser atropelado na calçada. Na calçada.
Eduardo Galeano, escritor, jornalista e historiador uruguaio, escreveu brilhantemente que “não é o homem que controla um carro, e sim o próprio automóvel que o controla”.
Especialistas, porém, afirmam burramente que o problema da locomoção pela cidade pode ser resolvido com conversas fiadas entre senhores do bom discurso ávidos por ganhar uma grana. “Precisa-se conscientizar os infratores”, bradam. Ora, quando vocês vão se dar conta de que seus métodos são – ou melhor, estão – totalmente defasados?
O site metamorfose vem apontando e discorrendo os problemas da mobilidade urbana em Goiânia há uma semana. Agora pense: um dia sem carro? Deus livrai-nos do mal, e o diabo também. Imagine se a moda pega: a cidade repleta de pessoas em suas bicicletas, explorando o espaço urbano. Vixe, não, de jeito nenhum!
Os pulmões iriam respirar ares mais saborosos, os hospitais e cemitérios perderiam seus maiores clientes, as pernas, que se esquecem de caminhar, cairiam ao esbarrar em qualquer pedrinha na rua, as rodovias seriam desertos deprimentes, rádios, jornais e TV´s, que farejam como urubus as desgraças, perderiam seus anunciantes, condutores de petróleo estariam condenados à miséria.
Milho e cana de açúcar, agora convertido em alimento para os automóveis, voltariam ao humilde prato humano. Meus amigos, a vida seria mais fácil, mais leve e mais tranquila – bem mais! Entretanto, o desrespeito, a morte, a tragédia enche os bolsos de vintém daqueles que fazem a engrenagem do capitalismo girar.
Sério. Genial. Ou nem tanto – ao menos para os donos do poder.
Responsável por padronizar gostos e não apontar alternativas para rigorosamente nada, a sociedade capitalista sente-se agradável com as parafernálias que vemos todos os dias nas ruas. Nada tem transparência, tudo é colocado para baixo dos tapetes, e segue o jogo, a música, a pachorra diária. Infelizmente, é comum de se ver crianças e jovens garganteando nas escolas que seus sonhos é gozar de algum bem material. Alguma coisa está errada.
De fato, o verdadeiro fascismo – jamais esquecendo a tragédia que Mussolini impôs ao planeta no século passado – é o que os sociólogos gentilmente chamam de “sociedade do consumo”. Se pararmos para pensar e analisarmos objetivamente, e soubermos ler o espaço urbano, as paisagens, a arquitetura, ver-se-á que são todas parecidas. Somos fantoches de uma indústria cínica. A sociedade de consumo transformou profundamente os jovens, no que tinham de mais íntimo, e deu-lhes sentimentos e gostos iguais, isto é, todos comportam-se de forma semelhante nos relacionamentos, ouvem as mesmas músicas e frequentam os mesmos lugares.
Ora, vejam vocês: o lugar comum tornou-se fundamental na vida humana neste século XXI. E o centro do problema é o sistema educacional, cujas crianças, que desde cedo têm suas cabeças poluídas por cretinos fundamentais, caminham fervorosamente para uma “civilização de consumo”, onde a sede de poder é o combustível da vida humana. Mata-se, ganha-se e xinga-se sem pensar duas vezes. E, presos neste limbo de cretinice, os motoristas vão às ruas repletos de sangue nos olhos depois de um dia ouvindo o chefe da firma encherem o saco.
Atualmente, é difícil pensar como se faz para conviver harmoniosamente carros, bicicletas, ônibus e pedestres. Sim, pois enquanto o sistema educacional mundial não atentar-se para os inúmeros problemas citados neste texto, a tendência é irmos ao buraco. É isso que queremos? É isso que desejamos?
Fica a reflexão.