Jornalismo, literatura e álcool: uma combinação inseparável
“O uísque é o melhor amigo do homem, é uma espécie de cachorro engarrafado”, Vinícius de Moraes
Amigo alcoólatra, amigo literato, tradicionalmente jornalismo e literatura apoiaram os cotovelos em balcões de bares. Pode ser a espelunca da esquina ou aquele tal gourmet do outro lado da cidade. Aliás, é praticamente impossível desassociar um do outro. É como falar em futebol, mas se esquecer da seleção tricampeã do mundo, em 1970. É como discorrer sobre samba, mas sem citar Martinho da Vila.
Todavia, caro leitor, lembre-se: nem todo mundo é Hunter Thompson ou Paulo Leminski. O pai do jornalismo gonzo tinha tolerância ao abuso de álcool. Já o poeta curitibano selou um pacto com seu fígado. “Ele não me incomoda, e eu não o incomodo”, salientou. Para ser etílico e exercer plenamente a vagabundagem, é necessário um árduo trabalho e, muitas vezes, o aconselhável é ser pago para exercer o ofício. Nada mais justo.
Daí a vocação para jornalismo e literatura. Cartunista do Pasquim na década de 1960, durante a ditadura militar, Jaguar era famoso por secar várias garrafas de biritas pelos bares cariocas. Tinha fama de ser um dos maiores beberrões já que se viu na história da boêmia brazuca. “Fui corneado pelo meu fígado”, sentenciou ele, que já disse ter tomado porres homéricos com Graciliano Ramos, Leminski e Vinícius de Moraes.
Ruy Castro, autor de biografias de Garrinha e Nelson Rodrigues, também era fã de um uísque. O jornalista é autor da máxima de que grandes obras da literatura poderiam ter sido mais geniais sem a ajuda de um scoth – talvez um falsificado, vai. Ao parar de beber, ele ainda conseguiu produzir outras obras literárias, porém sem os traços que o consagraram como um dos maiores biógrafos do Brasil.
Haja bêbado! Ora, amigo cachaceiro, hoje é sexta-feira, dia obrigatório de travar o disco sem peso na consciência. Chega de blá blá blá, pois preciso molhar a palavra ainda. Vamos lá.
1 – Diário de um jornalista bêbado (L&PM) – História do gonzo no caribe que vai deixar sua vida tediosa. Debochado, irônico e sarcástico, a obra de Hunter lhe embriagará logo no primeiro capítulo. “Sentia a cerveja escorrendo pelas veias”, narra o protagonista, Paul Kemp. É uma boa introdução à obra do gonzo. Vale a leitura.
2 – Paris é uma festa (Bertrand Brasil) - Papa das letras estadunidenses, Ernest Hemingway era conhecido por embriagar-se homericamente. Suas peripécias foram contadas nesta obra. Inclusive, Hemingway detalha um viajem que fez com Scott Fitzgerald – que também tinha gosto pela bebida, mas tentava disfarçar o hábito de sua esposa, Zelda Fitzgerald. Recomendável.
3 – Paraísos artificiais: o haxixe, o ópio e o vinho (LP&M) – O poète malditi, Charles Baudelaire, é tido como um dos caras que mudaram o curso da literatura no século XIX. Famoso por frequentar os cafés franceses, ele discorre sobre os efeitos das três substâncias citadas no título da obra. O texto é constituído por ensaios, e evidência todo o lado ensaístico de Baudelaire.
4 – Pornopopéia (Objetiva) – Em cada esquina há de ter uma saideira. Este é o lema de todo bebum que tenha o mínimo de dignidade. Autor de Tanto Faz, clássico da literatura contemporânea brasileira, Reinaldo Moraes apresentou uma nova forma de escrever romance. Em Ponopopéia, ele narra a saga de Zeca, um cineasta que faz qualquer coisa por alguns minutos – ou horas – de prazer.
5 – Crônicas de um louco amor (LP&M) – Poderia ser qualquer coisa do velho Bukowski, mas escolhei este por causa do primeiro conto, A Mulher Mais Linda da Cidade. Lírico, poético e niilista, Buk é era um bêbado, com licença Xico Sá, mas nem todo bêbado é um Bukowski. Isso deve estar bem claro na cabeça de qualquer que se aventura na saga boêmia de cada dia.
6 – A pátria de chuteiras em sandálias da humildade (Realejo Livros & Edições) – Escrito pelo jornalista botequeiro Xico Sá, o texto, pela capa da obra, tem tudo para ser sobre futebol. Mas, ao longo das frases e deboches do cronista, o leitor se depara com histórias hilárias de sofrimento e bebedeira. Afinal, nada melhor do que amaciar a derrota do seu time com umas biritas. No livro, há crônicas que contam histórias sobre o convívio de Sá com o doutor Sócrates. Aliás, o jornalista é um dos padrinhos espirituais desta coluna – eu lá sou besta de colar em gente que não presta, porra!
7 – Medos e delírios em Las Vegas – uma viagem ao coração da América (LP&M) – O doctor Hunter Thompson era um demente. Uma espécie refinadíssima de demente, melhor dizendo. Um cidadão quase respeitável. Guru do estilo de vida deste reles escriba que lhes alimenta o extinto alcoólico toda sexta após expediente. Alcoólica e jornalisticamente, Medos e Delírios é como um cara que bebe uma cerveja em latinha de Coca-Cola na firma. Fundamental. Obrigatório.
Se não houvesse álcool no mundo, amigo leitor, a crônica nem sequer teria existido. A maioria das histórias, de João do Rio a João Antônio, passando por Paulo Mendes Campos e Nelson Rodrigues, foram influenciados pela “mardita” cachaça. Sem mais.
Finalmente vou ali na esquina comprar um goró. Sentiu falta de algum livro? Deixe seu comentário. Forte abraço. Até semana que vem.