JM
Crônica da cidade: a exposição esdrúxula da cultura do estupro
A mais nova estagiária do jornal arrancou reações que expõem o patriarcado ao se apresentar, no início da tarde, à coordenação de pauta da editoria de Cidades
Primeiro dia de trabalho, Melissa, estudante de comunicação social de uma faculdade particular de Brasília, logo mostrou a que veio. Cérebro afiado, caneta e papel em mãos, pés sem medo de enfrentar a lama da cidade. Como se estivesse num jornal decente, a jovem de 19 anos – o que mostra sua inteligência ao conseguir o cargo num dos maiores jornais do país – andou pela redação tímida com os olhares inconvenientes dos futuros companheiros de trabalho.
Melissa se apresentou à coordenação de pauta da editoria de Cidades o início da tarde, horário de repórter na rua. Mas os poucos imbecis que lá estavam representaram à todos os outros, expondo as raízes machistas da redação. Viraram o pescoço em direção a moça que estava sentada em sua mesa – novo local de trabalho pelos próximos três meses, no mínimo – e assim, a objetificaram.
Os imbecis precisaram de exatos dois minutos para exporem a jovem à cultura patriarcal. E uma semana para praticarem assédio moral à jovem, os olhares inconvenientes em um ambiente de trabalho desrespeitavam a moça, que mantinha sua postura segura e independente, mostrando sua força e empoderamento. Mostrando, que apesar do assédio, conseguia ter estrutura psicológica para fazer um trabalho excelente.
Se dependesse dos estupradores em potencial, Melissa tinha lugar garantido entre as 11 mulheres estupradas à cada 1 minuto no Brasil. Era um tal de assédio pra cá, assédio pra lá, que deve-se admitir, é crime. “Olha, o meu ramal é esse. Se tiver alguma dúvida, não pense duas vezes em ligar.” Melissa respondia com a máscara de simpatia, afinal, como responder com ‘vai se fuder’ profissionais que podem te demitir ou te difamar no mercado de trabalho?
Ter um namorado não é defeito, é ego ferido dos machos que tentam culpa-la pelo fato dela não aceitar o assédio. Ela nunca apresentou o namorado para os assediadores do trabalho, afinal, ela tem esse direito. E, os imbecis, como homens de atitudes vistas como ‘comuns’ na nossa sociedade patriarcal, respeitavam o namorado da moça mais do que a própria moça.
Um belo dia, Melissa se viu livre daquela corja de machistas. Aquele momento de liberdade finalmente chegaria, e para os imbecis não fazia diferença, era só uma estagiária dentro dos padrões de beleza – que provavelmente iria migrar para a televisão, lugar de mulher loira.
A jovem, logo seria esquecida, afinal, uma nova estagiária entraria na redação, dessa vez negra e de faculdade pública, porque se importar com uma loira classe média? Essa quem sabe a gente estupra, afinal, ela deu o ar da graça.