Marcus Vinícius Beck
Cantada permanente
Amigo sofredor, por obséquio, é o seguinte: a seca está complicada na região Centro-Oeste, mas não deixe seu coração tornar-se murcho. Eis um tremendo problema: o tal do sentimento árido, vazio, burro. Falar de amor, dizem os machões, já não é algo notável, e sim ingênuo. Não é incomum de se ver homens vangloriando palavras que supostamente evidenciam seus feitos sexuais na mesa do bar. Tudo bobagem. Apenas.
O que vale é o amor, a cantada, o sorriso, o abraço, o beijo, a poesia. Ultimamente, o mundo anda chato, basta uma palavrinha qualquer para tudo ruir pelos ares – inclusive o próprio amor. Nada de poesia, e sim de prosa, nada de metáfora, e sim de metonímia, nada de lirismo, e sim sarcasmo, nada de literatura, e sim de teoria. Assim é a vibe pós-moderna.
Nestes tempos sombrios, viva a eterna cantada, pois ela é como a Revolução Russa, brilhantemente narrada em Dez dias que abalaram o mundo, do jornalista estadunidense John Reed, tem de ser permanente, meu chapa. Ora, esbraveja o exigente leitor do outro lado, o cronista é um completo demente. Pois eu, honestamente, digo-lhe: sou, sim.
Todavia, sempre procurei amar, e amando é que passamos a conhecer uns aos outros, amando é que passei a conhecer as mulheres que entram, chacoalharam meu mundo e permaneceram em minha vida de alguma forma. Quer um exemplo? Veja o clássico O Homem que amava as mulheres, do Truffaut, o cara que nascera para filmar o amor. Lindo. Quer outro? Leia – mas só daqui um ano – Diário subversivo: dias de embriaguez, utopia e tesão, deste energúmeno que semanalmente vos escreve.
É, meu caro, há mulheres que a gente conhece na infância para dar a primeira cantada lá pelos 17 anos, e olhe lá. Outras a gente canta desde o primeiro dia na faculdade, com persistência, e nada, nada, nada. Outras nem temos coragem de cantar, sobretudo se somos aqueles desalmados que não dispõem de uma excepcional diagramação física e facial.
Mas a cantada é necessária, não aquela merdinha objetiva, óbvia, ululante, neoliberal – perdoe-me por me traíres, Xico Sá. Falo do flerte, do desejo, do tesão, da lascívia, do beijo que faz o poeta pôr no papel versos dilacerantes, dilacerantes e outros dos melhores adjetivos que me fugiu da ponta dos dedos.
A cantada de resultado, aquela que se usa na boêmia aos borbotões, é uma chatice, insuportável, obviamente que se eu fosse uma mulher daria um sonoro plllaaafffttttt na cara do infeliz! Porque cantar apenas para uma noite de sexo qualquer energúmeno é capaz, mas cantar a rainha dos teus pensamentos, das tuas crônicas – eita cronista veio de Deus apaixonado -, é cantar todos e nenhuma ao mesmo tempo.
Explico: a arte de cantar a mesma mulher é uma arte para poucos, é como contemplar o expressionismo de Van Gogh e o naturalismo de Gustave Goubert, especialmente nestes tempos em que a arte virou refém da “tradicional família brasileira”.
Ah, digamos, você cantou a Mara Ribeiro naqueles tempos de Intolerância, não rolou simplesmente nada entre vocês dois, apenas algumas conversas amistosas – o que aliás faz um tremendo bem à alma -, mas você seguiu cantando-a e, agora, ela resolve compensá-lo! Vai ser lindo, maravilhoso, não acha? Na tela da tua cachola passará momentos em que você não podia fazer nada a não ser mandar mensagens depois de algumas doses de uísque vagabundo. Haja tesão.