Marcus Vinícius Beck
A arte da cantada permanente
Amigo boêmio, o ano de 2017, cujo Brasileirão foi vencido pelo Timão, vem dando seus últimos suspiros. No entanto, ainda há tempo para você chegar ao ouvido da amada e bradar aquelas palavras românticas. Afinal, apenas a eterna arte da cantada salva – não digo essas coisas horripilantes que são faladas aos borbotões por aí, não. Falo daquela frase de efeito sussurrada ao pé do ouvido da moça, e que deixaria Paulo Mendes Campos e Vinícius de Moraes dolorosamente alegres.
A cantada é, antes de mais nada, eterna. É como a Revolução Cultural de Mao Tse-Tung, é como as teses revolucionárias do velho Marx, é como uma fita de Glauber Rocha, é como uma canção do The Doors, é como uma choradeira amorosa na companhia de Waldicki Soriano, é como um poema de Paulo Leminski. A cantada tem de ser, antes de mais nada, como a nota da guitarra do mestre Eric Clapton tocada à noite em meio a taças de vinhos, conversas e flertes.
Aliás, querem um conselho? Vejam a fita, O homem que amava as mulheres, do gênio Truffaut. Considerado “cara que nasceu para filmar o amor”, o francesinho faz, da primeira à última cena, uma ode às mulheres. Inclusive, é dele a épica frase “o andar feminino equilibra o mundo”. Confesso que a roubei em inúmeras circunstâncias, sobretudo embalado pela cevada e querendo pagar de cinéfilo cult para impressionar as minas nas mesas dos mais variados botecos de Goiânia.
Esqueça neste final de ano a porra da cantada de resultado, pois ela não vai levá-lo a lugar algum. É uma chatice, insuportável. Se eu fosse mulher, metia logo os cinco dedos da mão na cara do sujeito. Anote aí: a boa cantada é permanente e, para isso, você não pode desistir depois do primeiro ‘não’. Lembre-se: a beleza passa, mas a feiura fica. Saiba usá-la, ainda que lhe machuque aquela olhada de cima a baixo.
Além do mais, é de imprescindível importância cantar todas as mulheres como quem planta sementes nos campos lírios. Embora elas digam, com aquele sorriso inconfundível, que você deve dizer as mesmas palavras, sem mudar o sinônimo nem nada disso, às outras, bata o pé e diga: que nada, sempre mudo o texto. Sabe qual a finalidade de tecer comentários pontuais nessas ocasiões?
Porque as amamos. E, perdoe-me o velho e indispensável Vinícius de Moraes, mas cantemos sobretudo as ditas feitas, já que beleza é meramente subjetivo e secundário na arte milenar da cantada. Até porque as feias não existem, nunca conheci nenhuma até hoje. Todas as mulheres guardam algo sublime, basta o sujeito ser atento aos sinais e belezas delas.
Agora, cantar a mesma mulher e parecer que é a primeira vez que a canta é sempre um desafio. Vai por mim: este humilde escriba que vos batuca os corações toda sexta-feira é praticamente um Garrincha na arte de cantar a mesma mulher. E, acredite, algumas vezes chega até a funcionar. Em outras, é verdade, o fracasso é evidente.
Dane-se tudo isso, porque invariavelmente em nosso cocoruto irá passar o videoteipe de todos os desejos antigos que vinham à tona durante as intermináveis sessões de insônia, caso a cantada funcione. Daí a importância da cantada. Mais uma vez: cantar é preciso, e tem de ser feito permanentemente.