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  • Foto do escritorJM

Desaguando


Flor de Saturno

O último livrinho bobo desses que escrevi para colocar em circulação chamava- se “Precipitação” e já tem mais de ano. É incrível como os anos passam e, mesmo assim, as sensações e os sentimentos continuam os mesmos, só que em lugares diferentes e sujeitos diferentes, com nomes, roupas e pensamentos diferentes. Ora pois, sempre penso que se tudo é diferente o fim também será, mas não, é sempre igual, parece chuva.


Precipitação fazia alusão à precipitação da chuva e como nós nos precipitamos em alguns momentos da vida, em especial em relacionamentos. Não por um caso, nos últimos dias Goiânia está chuvosa, chora como quem perdeu um filho, quase uma semana de chuva, de temporais à garoas. Uma melancolia descomunal tem me habitado e isso me faz querer escrever sobre essa relação: escrita-chuva-melancolia.


Vocês conhecem a capital do césio 137 quando chove? Ela não aguenta, parece não ter sido projetada para isso, tudo vira um caos. É árvore que cai, asfalto que vai pro saco, marginal desabando, trânsito intransitável. Goiânia não sabe lidar com chuva.


Como boa goiana também não sei lidar com a chuva, parece que todos os problemas se intensificam de uma vez só. Do lado de dentro e do lado de fora. Sempre que o lado de dentro não está legal eu escrevo para externalizar e quem sabe assim, jogando pro universo, as coisas melhorem. Escrever sempre foi sobre externar o que incomoda. Até já escrevi sobre momentos em que o coração está aquecido, mas não sei, escrever sobre isso não parece honesto, até porque são nesses momentos que nos faltam as palavras certas para descrever qualquer coisa. Sendo assim, a minha escrita carrega essa tristeza que as chuvas trazem.


O mundo deságua, quando é do lado de fora destrói a cidade, quando é do lado de dentro algo que ainda não consigo nomear. Os estragos das precipitações por fatores climáticos sabemos como consertar: cimento e ferro. Já os estragos das precipitações por impulsos humanos mal os reconhecemos, quando percebemos é quase irremediável.


Quando esse período passa, até acontecem obras para reparar os estragos da chuva por Goiânia e aqui dentro de mim, mas é só chover que voltar tudo de novo. A árvore que cai na rua é como mais uma decepção sentida; o asfalto que se vai é como o caminho que não vou mais percorrer; a marginal desabando é só mais uma parte que se vai e logo regenera; o trânsito intransitável é a incapacidade de me locomover, é o momento em que fico parada enquanto as gotas da chuva me acertam e o ácido que ela traz me corrói. Nesses momentos me sinto chuva: precipito sentimentos e deságuo em mim.

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