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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Foi-se o guru

Ensaísta e guru da contracultura, o jornalista, roteirista e diretor teatral Luiz Carlos Maciel assinou uma coluna denominada de Underground, no O Pasquim, e participou da primeira equipe da revista Rolling Stone, no Brasil, além de ter sido o responsável pela popularização dos ideais da Nova Consciência. Tudo isso em apenas uma vida. Autor da obra Anos 60, Maciel pagou o preço por escolher viver uma vida que ia em desencontro com as normas estabelecidas pelo status quo. O jornalista morreu no sábado (15) em decorrência de complicações pulmonares.


Por meio de seus ensaios, Maciel impulsionou a contracultura no Brasil e ajudou a popularizar a prosa espontânea de Jack Keroauc e William Burroughs, a música lisérgica de The Doors e Jefferson Airplane, a cultura do LSD de Timothy Leary, a psicanálise libertária de Whillem Reich e a sociologia revolucionária de Hebert Marcuse. Seus textos no Pasquim, Flor do Mal, Última Hora e Fairplay influenciaram uma legião de fãs do desbunde, esquerdistas não ortodoxo e jovens que angariavam por mudanças.


Mas Maciel não gostava de ser reverenciado como guru da contracultura. “Não sou guru de nada”, dizia ele, quando era questionado sobre a alcunha que lhe atribuíram. Guru, ou não, Maciel sempre teve uma relação tênue com manifestações culturais que criticavam e satirizavam a sociedade de consumo. Esse espírito começou a dar as caras ainda na Faculdade de Filosofia, em Porto Alegre, onde nascera em 15 de março de 1938.


Lá, ele teve contato com a filosofia existencialista de Sartre e o Teatro do Absurdo, de Samuel Beckett. Inclusive, Maciel chegou a encenar, com o ator gaúcho Paulo César Pereiro, a peça “Esperando Godot”, do escritor irlandês. Alguns anos depois, após a proferia do cineasta e amigo Glauber Rocha, Maciel mudou-se para a Bahia e assumiu um posto como professor na Escola de Teatro, em 1959. No ano seguinte, em 1960, ele ganhou uma bolsa de estudo na Fundação Rockefeller.


Os anos na terra do tio-sam foram fundamentais para o conteúdo que Maciel iria expor em sua coluna no Parquim, do qual foi fundador com o jornalista bêbado Tarso de Castro e o cartunista boêmio Jaguar. Entre 1969 e 1972, ele chegou a ser detentor do posto de campeão de cartas da redação. Ao contrário de outros membros do Pasquim, Maciel sempre rechaçou práticas machistas, e simpatizava com as tendências feministas, gays e tropicalistas da época.


Dono de uma vasa cabeleira, teve de cortá-la quando foi preso pelos milicos na década de 1970. Em 1972, após desentendimentos com o jornalista e escritor Millôr Fernandes, de quem era desafeto, Maciel acabou deixando o Pasquim. Contudo, outras aventuras no jornalismo ainda iriam chacoalhar a careta imprensa brasileira da década de 1970.


Rolling Stone


Mesmo sob a batuta dos milicos, um grupo de jovens rebeldes resolveu dar vida à Rolling Stone, no Brasil. No entanto, eles não tinham o direito de usar a marca, e acabaram rodando alguns números piratas. A experiência acabou durando apenas um ano, pois o bando de malucos não tinha grana suficiente para fazer com que a revista vingasse. E o Brasil naquela época não era necessariamente um grande pólo de rock. Aliás, nas rádios o que mais tocava era Caetano, Gil e outros cantores da MPB. Rock, jamais.


A redação da revista ficava no segundo andar de um prédio cor-de-rosa no Rio de Janeiro. O pessoal trabalhava com a vista do Corcovado e, no final da tarde, todo mundo parava para um baseado ao som de Novos Baianos. Na Rolling Stone, também trabalhou o jornalista, crítico musical e produtor musical Zeca Jagger, que na década de 1980 foi responsável por descobrir o Barão Vermelho. No artigo Aulas de Jornalismo Rock, a jornalista e estagiária da Rolling Stone na época, Ana Maria Bahiana, disse que tanto Zeca quanto Maciel eram as almas da publicação. Segundo ela, o ensinamento foi enorme naquele período, sobretudo no quesito musical.


“Fora isso, Maciel sorria, tentava discutir com Zeca (impossível) e me ensinava o que eu pedia para aprender. Minhas tarefas consistiam inicialmente em marcar as laudas de matéria para a gráfica, recolher o material de ilustração, manter Lapi feliz e responder às cartas dos leitores, o que era quase uma psicanálise”, detalhou Ana Maria, no artigo.


A aventura chegou a durar aproximadamente um ano. O ano de 1972, mesma época em que os Novos Baianos estavam lançando o clássico Acabou Chorare. Ana Maria lembra que os janelões estavam abertos, e todos ouvindo o clássico álbum da banda de Pepeu Gomes e cia que rodava na vitrola. Em seguida, Zeca Jagger dispara: “Garotinhos, vai ser um verão demais”. Para a jornalista, o ano de 72 fora o mais feliz de sua vida.


Últimos anos


De uns tempos para cá, o jornalista Luiz Carlos Maciel estava passando por dificuldades financeiras. Inclusive, ele chegou revelar que estava desempregado num post que fez antes de morrer na rede social Facebook. Entretanto, a situação começou a mudar quando foi relançado uma obra de roteiro dele. Nos últimos anos, ele estava descontente com a ascenção da direta no Brasil, já que com ela sempre sua eterna inimiga, a caretice, vem ganhando voz e força.


Maciel deixou uma esposa, filhos e oito gatos. De acordo com o jornalista Claudio Leal, o ensaísta chegou a arriscar um exercício de futurologia ao prever a manchete de sua morte: “Morre Luiz Carlos Maciel, o guru da contracultura”. Eis que ele estava mesmo certo.

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