Marcus Vinícius Beck
Será que é a previdência social que custa caro?
São 13 horas de uma segunda-feira e, enquanto trabalhadores se preparam para encarar mais um dia de labuta, o aposentado por invalidez Antônio da Silva, 39, diz: “Sofri um Acidente Vascular Cerebral no final da década de 1980. Na época, eu ajudava minha mãe sustentar a casa, mas depois acabei tendo de me aposentar”, anuncia, no meio do coletivo. Nos últimos meses, o governo de Michel Temer o prejudicou “por conta da iniciativa de cortar” o benefício. Vista como ultrapassada, a previdência social contempla milhares de pessoas na mesma condição de Antônio.
Mas o fato não parece provocar nenhuma luz na cabeça dos engravatados.
Vendedor de balas no transporte público da região metropolitana de Goiânia há oito meses, o aposentado revela que seu benefício, de um salário mínimo, foi revisto pelo Instituto Nacional de Seguro Nacional (INSS) em meados do ano passado. Desde então, está sem renda e arranjou nas guloseimas que vende nas ruas e no transporte público sua forma de sobrevivência. Às vezes, afirma, consegue obter “um dinheiro” que dá para comprar alguns remédios, “mas nada além disso”. Em outras tantas, volta para Trindade, cidade onde mora com sua mãe, “com a carteira vazia”.
“Estou mobilizando-me em prol de mim mesmo e de minha mãe, que já é uma pessoa de idade e não tem condições de trabalhar”, conta. “Tenho uma série de limitações físicas que não me ajudam a conseguir um emprego”. Nas ruas, caminha pensando nas artimanhas que são articuladas por gente de terno e gravata para lhe prejudicar. Quando vê alguém simpático à sua causa, para e conversa. Antônio não está salvo de discursos do tipo “vai trabalhar, vagabundo”.
Mas isto não parece o preocupar: “Venci um AVC, e não será um governo que irá me derrubar”.
Reforma
Idealizada pelo ministro da Fazenda Henrique Meirelles, alvo de chacota em sua visita a Davos, na Suíça, a proposta de Reforma da Previdência deve ir ao plenário da Câmara dos Deputados neste mês. No entanto, para votá-la, o governo necessita mobilizar a maioria dos parlamentares, o que não está acontecendo. Muitos mostram-se desconfortáveis com as medidas apresentadas no texto do projeto, e veem-no como uma insanidade. A ideia da trupe governista é simples: acabar com o benefício de quem possui rendimento de até um salário mínimo mensal.
Em português claro, as novas regras da Previdência, caso sejam aprovadas pelos digníssimos deputados federais e sancionada pelo rei da mesóclise, deve fazer com que os novos pensionistas – incluindo os que são aposentados por invalidez, como Antônio da Silva, 39 – recebam menos que um salário mínimo. Somando-se a isto, o aumento mínimo de contribuição à previdência seria de 30 anos para mulheres e 35 anos para homens. Ora, o povo está fadado a literalmente morrer trabalhando?
Ao que tudo indica, sim. O aumento no tempo de contribuição prejudicaria principalmente os assalariados de baixa renda, que têm maiores dificuldades de encontrar empregos formais, especialmente após a forma trabalhista, cujos patrões podem gozar do privilégio de contratar trabalhadores por meio da pornográfica jornada intermitente. Como era de se imaginar, Henrique Meirelles disse que a economia, com as reformas trabalhista e previdenciária, deve crescer algo em torno de 50%.
Bem, neste caso, vale lembrar a frase de dois mestres latinos. O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano dizia que os números não falam nada, apenas enganam a população. Gênio da literatura nordestina, o dramaturgo paraibano Ariano Suassuna tinha seguinte teoria: “há basicamente três tipos de mentira: a mentira propriamente dita, a mentira deslavada e a estatística”. Pois é, os números são frequentemente citados pelo pessoal do mercado financeiro em suas entrevistas aos jornalões e revistões do Brasil, que servem como porta-voz da agenda neoliberal que está em curso. Mas suas palavras não dizem nada com coisa alguma.
Judiciário
Herói nacional, o juiz Sérgio Moro, responsável pela Lava-Jato em Curitiba, no Paraná, recebe auxílio moradia de R$ 4,7 mil mesmo com imóvel na capital dos pinheiros, e justifica: “O auxílio moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1 de janeiro de 2015”, diz em reposta à Folha. Outro arauto da moralidade, simpatizante de aforismos bíblicos durante suas sentenças, o juiz Marcelo Bretas, responsável pela Lava-Jato no Rio de Janeiro, também recebe o benefício em dobro, já que sua mulher também é juíza. Ambos moram numa casa típica de filmes hollywoodianos.
Os juízes que aumentaram a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva também recebem muito acima do teto salarial. Presidente do Tribunal Regional Federal da 4° Região, Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz ganhou em 2015 mais de R$ 55 mil líquido. No ano seguinte, seu salário foi R$ 33 mil líquido. E, no ano passado, 30 mil líquido. João Pedro Gebran Neto, amigo de Moro, recebeu no último ano R$ 33 mil líquido. Os outros magistrados também extrapolam o teto. Curiosamente, são designados a julgarem possíveis desvios éticos. No entanto, seus contra-cheques, que são públicos, mostram o contrário.
Enquanto a farra dos magistrados persiste, o aposentado por invalidez, Antônio da Silva, 39, precisa vender guloseimas nas ruas e transporte coletivo de Goiânia para sobreviver. “É um absurdo a quantidade que os juízes ganham. É muito dinheiro, coisa que nunca ganharia, talvez, numa vida”, diz. Com toga e vernáculo excludente, o sistema judiciário brasileiro custa caríssimo aos cofres públicos, o que parece não preocupar a elite que governa o País e cisma em crer que os assalariados e beneficiários de baixa renda causam prejuízo à União. “Não entendo muito bem o que esse povo fala”, afirma Antônio, referindo-se aos magistrados.