- Heitor Vilela
Resistência ambulante
Após onda de repressão nos terminais de ônibus por parte do estado e das empresas que controlam esses espaços na capital, trabalhadores ambulantes realizam manifestações durante essa semana em Goiânia
Fotos: Júlia Lee
Terça-feira ensolarada, 13 de março, há algumas semanas a polícia militar vem expulsando os trabalhadores ambulantes dos terminais da capital do cerrado. São cerca de 1.500 trabalhadores somente no eixo da Anhanguera, pessoas sem condições de encontrar outros empregos e que dependem dos terminais para sobreviverem.
Mas, algo de errado não está certo dentro do drama diário de opressão ao trabalhador autônomo. Quiçá foram as máquinas de comidas e aleatoriedades automáticas, instaladas recentemente em alguns terminais de ônibus em Goiânia. E os ambulantes? Bomba de gás lacrimogêneo, cassetete, arma de choque, bala de borracha podem resolver o problema, afinal, o que são mais 1.500 desempregados num contexto de crise econômica. A ideia é simples: se retira os vendedores ambulantes na base da paulada, coloca maquininhas automáticas de guloseimas ou sobe o preço do aluguel dos quiosques "oficiais" de dentro dos terminais de ônibus, excluindo os trabalhadores pobres, que certamente não teriam condições de bancar esses custos.
A opressão dessa gigantesca operação de guerra contra os trabalhadores vêm de todos os lados. Além da GCM, PM e a guarda patrimonial privada das empresas, que costumeiramente já ameaçam, agridem e roubam a mercadoria desses ambulantes, agora também temos a presença de outras instâncias de "fiscalização", como a vigilância sanitária, por exemplo. Incrivelmente não vemos a presença constante desse órgão fiscalizador em restaurantes, fast foods e nos supermercados, que vendem carne podre para a população comer com uma frequência criminosa. Porém, para testar a qualidade e apreender o pão de queijo caseiro ou o mané pelado com café quente, feito nas longas e cansativas madrugadas antes de mais um dia de serviço, o carimbo da burocracia do estado bate forte e sem dó.
Existe uma força motora da sociedade, a necessidade de sobrevivência, de gerar o sustento pessoal e para sua família. Após uma reforma trabalhista que empurrou milhares para o desemprego e invariavelmente para a informalidade, a segunda etapa é reprimir essa população, deixar pobre mesmo, passando fome, um exército de mão de obra de reserva, como no capitalismo inicial e ultrapassado da Inglaterra industrial do séc. XIX. Deixar essas pessoas sobreviverem honestamente, vendendo uma pouca mercadoria por um lucro menor ainda, não é uma opção para os donos das grandes empresas do transporte da capital, que juntamente ao estado, é quem realmente retira o lucro grosso desses espaços.
Resistência
E foi no meio para o fim da tarde da última segunda (12), que esses trabalhadores ambulantes, humilhados, cansados e famintos, fecharam o Terminal Praça da Bíblia em protesto pelo direito de trabalhar e contra a violência policial. O protesto começou e terminou pacífico, com faixas e uma caixa de som, onde entre mulheres, homens, jovens e pessoas da terceira idade (todos vendedores ambulantes), se revezavam ao microfone para contar histórias sofridas de vida e desemprego, que os fizeram chegar alí. Sobretudo denunciavam a arbitrariedade e truculência dos policiais militares, quando atuavam nessas "ações de retirada" dos trabalhadores.
Em pouco tempo, o próprio chefe do comando da Polícia Militar, coronel Ricardo Mendes, chegou após várias viaturas que já lotavam as duas pistas do terminal, causando por si só o fechamento físico daquele lugar, já que era impossível transitar qualquer ônibus, com tantas viaturas de sirenes ligadas. O coronel em seu ímpeto de autoritarismo, mesmo sem nenhum documento de reintegração de posse ou algo oficial que justificasse, pegou um auto-falante e começou a gritar ordens de retirada das pessoas, não só dos envolvidos no protesto, mas de todas as pessoas. Aparentemente a casinha estava armada, um terminal vazio, em pleno horário de pico, onde quem resolvesse ficar, seja pelo direito à liberdade de manifestação ou pelo direito de ir e vir, acabaria entendendo quais eram as "outras atitudes, com o uso de força" que os policiais tomariam, como deixou avisado em ameaças o comandante de dentro de sua viatura.
Rapidamente, entre estudantes, trabalhadores, gestantes e todo sabor de gente que depende dos ônibus, começaram a sair de dentro do terminal. Os manifestantes por sua vez, tentaram uma negociação, exigiam ao menos uma resposta oficial da prefeitura sobre a situação enfrentada pelos mesmos para conseguir levar o sustento às suas famílias. Eles prometeram não liberar a passagem de ônibus e nem desocupar as vias do terminal até que uma resposta, uma justificativa, alguém que explicasse preto no branco a situação, chegasse aos trabalhadores.
Após o anúncio da Operação Embarque Seguro, grupos de policiais militares estão fixos nos terminais do eixo-anhanguera para, além de hostilizar os usuários, impedir que trabalhadores informais busquem seu sustento. Segundo a PM, a Operação serve "para garantir a ordem" nos terminais. Após diversas intimidações, ameaças de prisões e agressões, na voz direta do chefe de policiamento da PM, Coronel Ricardo Mendes, os trabalhadores ambulantes por fim liberaram o Terminal da Praça da Bíblia, após mais de três horas de manifestação e seguiram em marcha em direção a Praça Universitária. O batalhão de choque chegou a ficar em formação contra os trabalhadores, enquanto a 'negociação' era feita com o comandante da PM.
Outras ações
Essa manifestação da última segunda-feira (12), além de não ter sido a primeira dessa classe de trabalhadores da região metropolitana da capital, certamente não será a última. Na quarta feira (14), apenas dois dias após o ato no Terminal da Praça da Bíblia, agora a pressão vai ser feita diretamente no centro da cidade, no coração do poder. Está marcado uma manifestação a partir das 17 horas de quarta, com concentração na Praça Cívica. Vários trabalhadores se organizaram e convocaram não somente demais ambulantes que trabalham na capital, mas outros apoiadores para somar na luta e apoiar esses, que estão na pior situação na escala de opressão no estado de Goiás.
A Federação Autônoma dos Trabalhadores (FAT), convoca e chama os demais estudantes e trabalhadores para prestar solidariedade ao ato desta quarta (14), e soltaram a chamada a seguir:
"Os trabalhadores ambulantes da região metropolitana de Goiânia estão sendo alvo de uma forte repressão do governo estadual, municipal e das empresas de ônibus que os expulsaram dos terminais por meio da "Operação Não Entra" realizada pela Rede de Mobilização que gerência os terminais juntamente com apoio de repressão da Polícia Militar e guarda da metropolitana de Goiânia.
Diversas viaturas e um alto efetivo de policiais e "guardinhas" vêm sendo mobilizado para expulsar os trabalhadores e trabalhadoras da linha do Eixo Anhanguera e dos terminais de ônibus, agindo de forma truculenta usando spray de pimenta, dando cacetadas e agredindo as mulheres trabalhadoras de forma covarde. Desde sexta feira, dia 02 de março, a partir da realização da operação, vários trabalhadores ambulantes estão sem trabalhar e alguns ambulantes já estão passando fome, sem conseguir seu pão de cada dia.
Toda tentativa de manifestação é reprimida, essa é uma verdadeira ditadura da Máfia do Transporte e do Estado! Segundo relatos dos ambulantes, eles nunca receberam um convite para negociar "uma maneira de legalização de seus serviços nos terminais". Esta é a suposta "democracia", na qual mesmo com aproximadamente 12 milhões de brasileiros desempregados, o povo não pode trabalhar e nem se manifestar. É necessária que a solidariedade de classe seja muito maior nesse momento, pois há a intensa repressão aos trabalhadores pobres.
Nesse sentido, os Ambulantes dos terminais de Goiânia com apoio da FAT (Federação Autônoma dos Trabalhadores) conclamam todos/as trabalhadores/as e estudantes a cobrir de solidariedade os ambulantes e participar do GRANDE ATO PELO DIREITO AO TRABALHO DOS AMBULANTES que será realizado na próxima quarta feira 14 de Março com concentração às 17 horas na Praça Cívica. Mexeu com um trabalhador, mexeu com todos! Avante a luta dos Trabalhadores ambulantes!"