JM
A inconstitucionalidade da intervenção federal no Rio de Janeiro
Inicialmente, é importante explicar o que é o remédio constitucional usado, supostamente, para resolver os problemas sintomáticos do Rio de Janeiro.
A intervenção federal é uma medida regulada pelos artigos 34 e 36 do capítulo VI da Constituição Federal de 1988. Como funcionamos em um sistema de federação, o Governo Federal não pode atuar nos Estados. Contudo, o artigo 34 da CF/88, traz hipóteses de ocorrência, como repelir uma intervenção estrangeira, manter a integridade do território brasileiro, etc. É decretada pelo presidente da República, devendo ser aprovada pelo Congresso Nacional, no prazo de 24 horas.
No caso, foi suscitado o inciso III do artigo 34, que permite a intervenção federal sob a condição de “pôr termo a grave comprometimento da ordem pública”.
Pois bem, a inconstitucionalidade da medida é apontada em vários aspectos, que listaremos a seguir.
Primeiramente, o cargo de interventor tem caráter militar (conforme o parágrafo único do artigo 1º, contido no próprio Decreto), ou seja, é relacionado ao exercício das Forças Armadas, inclusive à Justiça Militar, em casos de crimes ocorridos no período. O decreto dispõe que a intervenção se limitará à segurança pública, e assim o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ) continuará atuando na administração, mas sem poderes quanto ao combate à criminalidade, que será de responsabilidade do general Walter Souza Braga Netto (interventor nomeado por Temer), substituindo o, então, secretário de Segurança Pública. Aí que está verificada a inconstitucionalidade, pois o parágrafo único do artigo 2º do decreto explicita que o cargo de interventor é de natureza militar, mas a intervenção federal descrita no artigo 21, inciso V, da CF/88 dispõe a exigência de um interventor civil, deixando claro que o general nomeado é incompetente pra atuar nesse caso.
Outro ponto da inconstitucionalidade é apontada nos artigos 90, inciso I, e artigo 91, parágrafo 1º, inciso I, que atribuiu ao Conselho da República e ao Conselho de Defensa Nacional a função de opinar sobre intervenções federais, norma esta que não foi observada por Michel Temer ao assinar o mencionado decreto.
Já em exercício da intervenção, foi noticiado que o Exército estaria fichando moradores das favelas do Rio, sob a desculpa de que seria um procedimento feito regularmente para checagem de dados (https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2018/02/moradores-deixam-comunidades-apos-serem-fotografados-em-acao-do-exercito.shtml). A Lei nº 12.037/09 passou a dispor sobre a identificação criminal de civis, no entanto, com a promulgação da CF/88, seu art 5º, inciso LVIII, estabelece que o civil não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei (estar sem documentos oficiais com foto; documento com rasura ou difícil identificação; portar documentos de identidade distintos, etc.). Os militares parecem ter esquecido de procurar a lei antes de praticar tais atos, que ferem a dignidade humana e criminalizam a pobreza, pois o fichamento, com certeza, não será feito nas áreas mais nobres da cidade. E aqui resta verificada seu desacordo com o disposto na CF/88, tornando-se a medida inconstitucional.
Outro grande problema que podemos apontar, é o interesse do atual presidente da República em suspender a intervenção se votarem em favor da Reforma da Previdência, que faz parte da agenda apressada de seu (des)governo, (conforme link: https://g1.globo.com/politica/noticia/temer-diz-que-vai-cessar-a-intervencao-no-rj-durante-votacao-da-reforma-da-previdencia.ghtml). A intervenção federal, quando está em exercício, não permite nenhuma reforma de caráter constitucional, então aqui vemos uma clara chantagem feita pelo então presidente.
Com os pontos acima explicitados, fica claro que a intervenção federal é um ato que demonstra poder por parte do presidente da República, que pressionado para passar suas reformas, fez seu laboratório no Rio (https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/02/27/intervencao-e-janela-de-oportunidades-para-a-seguranca-do-rio-diz-general-interventor.htm) para ver como a população reage diante de seu desgoverno.
Isso é gravíssimo, pois está sendo tratado como normal e a população, leiga, acredita que a medida seja uma forma de combater a criminalidade atuante no Rio. Mas, caros leitores, fica claro que o foco, nem de longe, é esse. Usam recursos advindos de épocas da Ditadura, como a omissão de informações, descaso com a mídia e com autores, como estratégia de “cortina de fumaça” para encobrir suas reais intenções (https://www.youtube.com/watch?v=IWuggz3aWhw) e isso por si só é muito perigoso, pois dá margem a políticas abusivas que não podemos aceitar, que a democracia não pode e nem deve aceitar.
As mazelas sociais, que existem não só no Rio de Janeiro, são combatidas com políticas definitivas, com investimentos em educação e saúde, sobretudo em áreas distantes dos grandes centros. Com hospitais, escolas, creches, locais de cultura e lazer, é que se afasta a criminalidade e a marginalização dos lugares afastados do grande centro, e essas são as políticas que devemos buscar, políticas não-paleativas. Por isso é interessante o estudo e a análise crítica da atual situação do país, pois caso deixemos isso de lado e nos cegarmos aos abusos cometidos pelo governo golpista, iremos cair em um retrocesso que nos custará anos de luta social, e isso será um atentado à memória daqueles que deram a vida para termos nossos direitos.
Abaixo a repressão, poder ao povo!