JM
Enfrentamento diário - quem sou eu?
Falar sobre mim mesmo não é algo que eu faço com muita frequência, mas já que estarei por aqui, todas as quintas, compartilhando poucas certezas e muitas indagações é necessário que me apresente. Para começar a brincadeira me chamo Wesley, o nome foi escolhido por minha irmã em homenagem a Wesley Snipes - relevemos o fato de ser um norte-americano e nos atentemos ao fato de ser um ator negro. Eu nasci no subúrbio ferroviário de Salvador, num bairro chamado Plataforma, na comunidade de Novos Alagados.
Minhas primeiras lembranças de infância são os manguezais e as casas de palafitas. Só maior vim entender o que o nome do local que vivia dizia sobre ele. Crescer em Salvador, a cidade mais negra fora da África, não foi sintomático para o processo de autoafirmação da minha negritude. Cresci em lar evangélico , sendo o décimo filho de minha mãe e e tendo mais cinco irmãos por parte de pai.
Até os 19 anos nunca havia colocado os pés num terreiro de candomblé. A ignorância e uma série de coisas ruins que aprendi em casa me repeliam de um maior contato. Anos mais tarde, já em São Paulo, entrei para um terreiro, mas isso é história para um outro texto. Pardo era o que minha mãe me ensinou que eu era e foi o que internalizei para dizer a mim mesmo e ao mundo. Até os 17 anos um dos meus pensamentos mais recorrentes era mudar meu nariz e ter cabelos lisos. Isso mudou quando eu conheci o movimento estudantil secundarista, ampliando meu senso crítico e compreensão do mundo ao meu redor.
Desde pequeno sempre quis ser ator, mas olhava os filmes e as telenovelas e nunca houve um sentimento de pertencimento. Nunca me vi representado ali! A partir disso comecei a reparar como o negro estava representado na arte, como diz um trecho de uma música de uma banda de reggae baiana, chamada Adão Negro, o lugar do negro, o meu lugar era este: "Apartheid disfarçado todo dia. Quando me olho não me vejo na TV. Quando me vejo estou sempre na cozinha ou na favela submissa ao poder". Depois de me dar conta disso não restava outro caminho a não ser me organizar. Precisava lutar junto com meus pares, precisava encarar a luta antiracista como questão de vida. E é sim questão de vida.
E ao falar de vida não tem como não falar sobre Claudias e Amarildos, DGs e Luanas Barbosas, sobre minha sobrinha de 5 anos que sofre racismo na escola pelo seu cabelo duro, sobre minha colega de faculdade que teve que ouvir da professora que ela jamais se sentaria no teatro atrás dela por conta do seu black power. Falar de vidas negras é falar de resistência, de diaspóra, de dívida histórica, mas acima de tudo de muito enfrentamento.
Escrever para vocês aqui hoje e compartilhar um pouco da minha história é um enfrentamento! Mas isso só não basta, é preciso estar nas redes e nas ruas. É preciso apontar o racismo velado e estrutural que faz com que o taxista não pare para mim na rua, mas o carro da PM sim. É meter o dedo na ferida e dizer que eu vou tá lá, que meu lugar não vai ser pautado pela minha cor. E assim eu sigo, pelo menos tento, pois não é todo dia que se veste a capa de militante e se vai a luta. Mas se o mundo me empurra aprendi que devo empurrá-lo de volta, pois não nasci para o silêncio e a minha luta, junto aos meus, é legado vivo da minha ancestralidade e ponte para um novo futuro para aqueles que virão.
Ubuntu! 4P - todo poder ao povo preto!