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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

A notícia mais triste da semana

Por favor, digam-me que não estamos sob a batuta do Ato Institucional Número 5, digam-me que não existem esquadrões da morte financiados pelos chefes de segurança pública, digam-me que tudo o que li na última quinta-feira não passou de um delírio etílico deste escriba de costumes, digam-me que nosso país não é violento, que mulheres não são mortas, nem violentadas pelo fato de serem mulheres; digam-me que tudo não passa de um enredo de John Fante – 2018 é um ano ruim.


Marielle Franco (PSOL) foi morta porque lutava contra o abuso de autoridade por parte da Polícia Militar (PM) nas favelas cariocas. Desde que houve a intervenção do exército, a psolista vinha dizendo que soldados passaram a invadir residências de moradores com freqüência, o que provocou reações por parte de órgãos ligados aos direitos humanos, contribuiu para o avanço em direção ao estado de exceção e rasgou a cartilha que rege o Estado Democrático de Direito, no caso nossa Carta Magna.


Até no Serra Dourada, símbolo do futebol goiano, foi possível ver cartazes em memória a vereadora. “Marielle presente, hoje e sempre”, dizia um cartaz em meio à torcida do Vila Nova, que disputou uma vaga na 4° fase da Copa do Brasil.


Não existe manchete mais estarrecedora na galáxia de guttenberg. As chamadas da grande imprensa, financiada pela grana do pai da mesóclise, Michel Temer, deveriam conter exclamações como as que o titio Nelson Rodrigues escrevia na época em que era cronista do jornal A Última Hora, de Samuel Wainer. Ou, digo mais, faça como os jornais satíricos na época dos anos de chumbo, e crie chamadas com duplo, triplo sentido. O sarcasmo e a ironia estão voltando a ter importância.


É, uma vereadora, negra, da periferia, socióloga pela PUC-RJ, mestre em administração pública pela UFF foi brutalmente assassinada quando voltava de uma roda de discussões. Não venham, caros investigadores das policiais civil e federal, com o óbvio ululante, e sim com novidades. VEREADORA É MORTA COM NOVE TIROS!. Com direito a sangrar a página – como dizemos no jargão das redações. Esta também é uma alternativa: “ALVEJADA COM NOVE TIROS, VEREADORA É MORTA NA ZONA NORTE DO RIO”. Para sangrar a página, como falei.


O Brasil voltou aos anos de truculência, barbárie e ódio. Amigo leitor, não compre jornal, minta você mesmo, como nos orientaram a fazer os anarquistas espanhóis que lutaram contra o franquismo na Espanha, na década de 1930, e como cantou Raulzito nos anos 80. Rasgue a própria capa de algum jornalão em seis colunas com a foto da Marielle. Redija uma manchete, lead, sublead e corpo da matéria. Faça você mesmo a diagramação do seu jornal.


Evoque o poeta Federico Garcia Lorca, morto pelas tropas de Francisco Franco, durante a guerra civil espanhola: “De todos que conheci, Federico foi o mais impressionante”, escreveu o cineasta Luis Buñuel, logo após a morte do colega, em 1937. E, assim, você pode adotar tanto as práticas de guerreira jornalística quanto as vocabulares. Poetas e escritores, especialmente os clássicos, são sempre melhores que nossas vagas convicções sobre o inacreditável.


Parem as máquinas, sempre, segundo clichê da manchete: determinados assuntos precisam ser atualizados antes de ir às bancas e às casas. Parlamentar não pode, de jeito nenhum, ser morta porque denunciou os esquemas lucrativos o qual a polícia tanto luta manter de pé. Sim, os criminosos não somente puxam o gatinho, mas também criam narrativas para desmoralizar negro, pobre e mulher.


Até a semana que vem.

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