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Apropriação cultural e o racismo nosso de cada dia!

Salve, galera. Hoje é nosso segundo texto aqui na coluna e cederei espaço para que outro irmão de vida e militância possa trocar uma ideia com vocês. O rolê de ser nós por nós não é balela e discursinho pra rede social e sabendo a potência da internet e a necessidade de falar sobre apropriação cultural vou dar este espaço pro Marcos Paulo, bicha-preta, nascido no Espírito Santo, mas vivendo em São Paulo, pra dar uma contextualizada sobre isso para todos vocês. Espero que depois de ler as palavras de MP vocês não queiram trocar de colunista, pois a bicha pisa muito. Boa leitura e nos vemos semana que vem!


Apropriação cultural e o racismo nosso de cada dia!


Aprofundar no debate sobre apropriação cultural é antes de tudo se colocar na disposição de contribuir para a superação da forma superficial e desonesta com que o tema vem sendo tratado por algumas pessoas recentemente. Apropriação cultural tem a ver com a indústria lucrando com a cultura preta enquanto pretas e pretos continuam morrendo vítimas do racismo, reforçando o que custamos a entender: “Aqui e em outras partes do ocidente a cultura negra é popular, mas as pessoas negras não”.


Tratar dessa questão exige um cuidado especial porque os debates que ganham notoriedade nas mídias e redes sociais partem da perspectiva de uma parcela historicamente privilegiada na lógica de dominação capitalista ocidental colonial/moderna, mestres em reduzir todo o debate à ideia de que não existe de fato um processo sistemático de apropriação cultural, seja porque “cultura não é propriedade”, seja porque “o meu dinheiro pode pagar”.


É verdade que o capitalismo se apropria e mercantiliza todas as culturas, mas isso não quer dizer que não exista apropriação cultural. Aliás, entendemos a apropriação cultural justamente como esse processo através do qual uma cultura dominante toma pra si elementos de uma “cultura dominada”, esvaziando-os de seu significado e sua construção histórica e substituindo-os pelos valores do capital.


“Apropriação cultural tem a ver com dominação, hegemonia cultural, poder, etnocentrismo e capitalismo.” Por trás do chamado multiculturalismo da sociedade moderna, há uma relação de disputa constante entre uma cultura hegemônica que dita padrões de comportamento, e outras culturas minoritárias que brigam para não serem eliminadas dessa relação. Se existissem nessas relações o mínimo de equidade, poderíamos falar em troca ou intercâmbio, mas o que há de verdade é a imposição sistêmica de um jeito branco de ser humano.


Dito isso, falar de apropriação cultural é mais do que falar de uma relação de “consumo no capitalismo tardio”, é antes de tudo descobrir que ao se apropriar dos elementos da cultura negra, por exemplo, classes dominantes não o fazem por desejar para si a cultura em questão, mas como resposta dialética aos movimentos de resistência à hegemonia cultural, ou seja, o capital só se apropria dos elementos da cultura negra porque há uma resistência dessa cultura , e só o faz como forma de retirar dela o seu significado e seu valor históricos, garantindo que a indústria cultural, seu aliado estratégico, determine o valor, o significado e um lugar de subalternidade desses elementos entre nós.


Vejamos o que afirma a blogueira Jô Camilo em seu texto “Apropriação cultural sob uma análise marxista”, de 2015:


“O RAP e o Funk continuam sendo vendidos majoritariamente para a juventude negra e periférica, e continuam sendo considerados “música de bandido” ou “música ruim”, mas agora têm suas letras controladas rigorosamente por um mercado cultural comandado por brancos. A capoeira continua sendo vista como “malandragem” e os dreads continuam sendo considerados “sujos”, mas agora não identificam mais a cultura negra, mas são “patrimônio de todos” em um lugar onde supostamente não existem diferenças raciais por conta da miscigenação. Mantêm-se os juízos negativos racistas, retira-se o caráter de resistência. Eis o verdadeiro sucesso da apropriação cultural dos símbolos negros.”


Portanto com tranquilidade dizemos que apropriação cultural existe, e não está no turbante da menina branca nem nos dreads do menino branco, mas no lugar que esses elementos ocupam na nossa sociedade e na forma como são vistos quando utilizados por pessoas brancas e pretas. É importante salientar que apropriação cultural é um mecanismo de manutenção do capitalismo e está diretamente relacionada à estrutura de dominação de raça e classe e é nesse plano de fundo da luta geral contra a dominação que precisamos compreender esse debate, não no sentido individual, mas como resultado do avanço do capitalismo e, consequentemente, do racismo sobre as culturas de todo o mundo. Dentro dessa perspectiva, a blogueira Jo Camilo lembra também que “é importante trabalhadores brancos se conscientizarem do que significam esses símbolos, de sua história e de sua força organizativa e política para nós, seus companheiros negros, e que essa consciência trazida pela nossa luta, e não a indústria capitalista, determine a forma como cada indivíduo se relaciona com tais símbolos”.


Ademais, sabemos que essa “moda de ser preto” tem revelado o embranquecimento dos símbolos da cultura e da resistência negra de tal forma que a vontade é “tombar tudo” mesmo, mas também não adianta tirar o turbante da cabeça do coleguinha branco sem compreender que na nossa sociedade pós-colonial ainda é o mercado (com toda a sua branquitude) que controla a produção e a circulação da cultura de acordo com a manutenção de seus interesses.


*Marcos Paulo Silva​ é estudante de Lazer e Turismo na USP, diretor de combate ao racismo da UEE-SP, coordenador da Frente Estadual de Jovens Negras e Negros da UJS-SP e do Coletivo Leci Brandão e atuou no Núcleo de Consciência Negra Teresa de Benguela, da PUC Campinas.

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