Marcus Vinícius Beck
Crônica esportiva: reduto dos ‘engraçadinhos’

A crônica esportiva brasileira demonstrou em menos de um mês toda sua veia xenófoba e sexista. O último episódio ocorreu algumas semanas atrás, mas outros casos também ganharam os holofotes. Em entrevista a um canal de televisão de Goiás, a musa do time homônimo foi alvo de ‘piada’ que continha ambiguidade, gerando comentários nas redes sociais por parte de torcedores – e da própria assessoria de imprensa do clube – indignados com tais declarações.
Semanas depois, após o empate do Corinthians contra o Santos, o atacante do alvinegro da capital paulista, Romero, disse que o time do Rei Pelé é “pequeno”. O comentário suscitou críticas por parte de alguns torcedores santistas. Logo, alguns cronistas esportivos passaram a ridicularizar e insultar o paraguaio. “Ele saiu de um país que é praticamente uma aldeia indígena. Eles movimentam a economia lá [no Paraguai] através do tráfico de drogas, contrabando de armas e produtos ilegais”, afirmou Marcão, do Programa Rádio Estádio 97.
Impressionado com a chuva de declarações preconceituosas, Romero convocou uma coletiva de impressa para explicar sua provocação ao rival Santos. Na conversa com jornalistas, ele afirmou que, por ser paraguaio, é vítima de discriminação, e salientou que não irá deixar por isso mesmo qualquer comentário que tenha como propósito denegrir sua imagem e nacionalidade. O zagueiro do Corinthians, Balbuena, que também é paraguaio, saiu em defesa do colega. “A zoeira tem limites”, escreveu o defensor, em uma rede social.
Em seguida, o comentarista Marcão, autor da declaração que depreciou Romero, justificou-se dizendo que as palavras proferidas ao atacante eram apenas “deboche”, e não tinham a intenção de menosprezá-lo. “Eu fiz uma crítica pesada. Peço desculpas ao povo paraguaio e a quem se sentiu ofendido. Falar que é xonofobia? Presta atenção. A gente brinca com todo mundo”, disse o comentarista, evidenciando a leifertização em detrimento a notícia, prática que vem assolando o jornalismo esportivo.
Ao contrário das outras editorias, o jornalismo esportivo possui um ingrediente que transita entre razão e paixão: a emoção do torcedor pelo seu clube do coração. Desta forma, é irresponsável que jornalistas fomentem a especulação em torno de clubes. O esporte faz parte da sociedade, e, portanto, é impossível reduzi-lo a um mero entretenimento, onde burocratas que nunca chutaram uma bola o usam para encher os bolsos de dinheiro, como sugere que assim seja o galã esportivo da vênus platina, Tiago Leifert.
Casos de racismo, sexismo e xenofobia não são novidades no mundo do futebol. Semanas atrás, o ex-jogador Edílson Capetinha, que é negro, se referiu ao goleiro Jaílson, do Palmeiras, da seguinte maneira: “Goleiro negrão sempre toma gol”, declarou o ex-atacante do Corinthians, que afirmou que por conta de sua etnia não poderia ser racista. “No futebol, todo mundo comenta isso [sobre goleiros negros]. É em tom de piada”.
"Respeita as mina"

Essa frase estampou a parte da frente da camisa do Corinthians na última quarta-feira, um dia antes do Dia Internacional das Mulheres, na partida contra o Mirassol válida pelo Campeonato Paulista. Nos anos anteriores, o departamento de marketing da equipe errou ao menosprezar a data. O dia das mulheres, em que homens aproveitam para lhes darem flores, não é época festiva, e sim uma data de reflexão. A cada 90 minutos, tempo que dura uma partida de futebol, uma mulher é morta no Brasil.
Que o futebol é um esporte midiático, é fato. Porém, com a campanha promovida pelo Timão, os torcedores tivemos a oportunidade de conhecer um pouco mais sobre o futebol feminino, que vive no ostracismo por conta da bolinha murcha jogada pela macharada. Em 2016, o Corinthians selou uma parceria com o Audax, time do interior paulista, e passou a usar a estrutura do parceiro para as minas treinarem.
Rapidamente houve uma conquista: o time de futebol feminino, desconhecido ante à superestimada equipe masculina, despontava no cenário brasileiro, conquistando a Copa do Brasil. Pela primeira vez havia jogadoras vestindo o manto sagrado alvinegro. Em 2017, foi a vez delas conquistaram a Libertadores da América de forma invicta, numa final típica da máxima que permeia o futebol do “contra tudo e contra todos” com direito a lambança da arbitragem. A equipe masculina do Coringão levou mais de 50 anos para levantar o caneco mais importante da América.
Quem sabe não passamos, de agora em diante, a olhar para a peleja feminina com olhar diferente? E, além de tudo, não reflitamos acerca das práticas patriarcais que vemos, no futebol da macharada, quando uma assistente de árbitro (a famigerada bandeirinha) equivoca-se e marca um impedimento que não existe. Comentários esdrúxulos por parte dos treinadores, jogadores e torcedores ecoam pelo estádio. Cronistas esportivos também não ficam de fora, e fomentam tais cretinices. Respeite as mina. Não é não. Até dentro das quatro linhas.