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  • Rosângela Aguiar

Filme "Ex-Pajé" abre o 20ª FICA e abre discussões sobre as questões indígenas



Há 518 anos o Brasil é um país que ainda engatinha nas mais diversas questões, em especial a socioambiental. Ainda convivemos com o distanciamento que ocorre entre os povos que compõem o povo brasileiro, uma gente misturada, miscigenada, mas que renega suas origens. E ainda tenta, mais de quinhentos anos depois "transformar", "civilizar", "evangelizar" os nossos primeiros moradores. Esta dura realidade será trazida à tona para discussão já na abertura da 20ª edição do Festival Internacional de Cinema e Vídeo Ambiental (FICA). Ex-Pajé, novo longa do diretor paulistano Luiz Bolognesi fala exatamente sobre isso: a resistência das culturas indígenas.


Somos 207 milhões de habitantes no Brasil e destes, segundo o Censo de 2010, apenas 0,47%, ou seja, 896 mil são índios distribuídos em 305 etnias e falando 274 línguas diferentes. Formam um povo dentro de outro povo e são tratados, por serem minoria, sem respeito, tal qual fizeram os portugueses que por aqui chegaram em 1500. E todos nós, com raras exceções, temos sangues indígena, negro e europeu correndo em nossas veias. Como ignorá-los e não respeitar as suas culturas?


O que será visto no longa de Luiz Bolognesi no dia 5 de junho, Dia Mundial do Meio Ambiente e abertura do FICA é a história dos Paiter Surií, tribo que viveu isolada até 1969 (vale lembrar que este ano faz parte do período de chumbo do país, daí dá para imaginar o que este povo sofreu). Eles viviam na região que compõe a divisa dos estados do Mato Grosso e Rondônia, palco central de conflitos fundiários entre indígenas e extrativistas. Segundo as informações enviadas pela assessoria de imprensa da Secretaria Estadual de Educação e Cultura (Seduce), organizadora do festival, o filme "oscila entre os gêneros ficcional e documental para narrar a história dos Paiter Suruí".


O que será visto neste longa de Luiz Bolognesi é o retrato do que acontece com os povos indígenas desde que os portugueses chegaram por estas bandas. A chamada colonização. Os Paiter Suruí tiveram um contato tardio com o homem branco e mesmo já em pleno século XX, porém em plena ditadura militar no Brasil e na América Latina, não é de se estranhar que este povo tenha passado pelas agruras dos antigos métodos de colonização.


Assim como aqueles que viviam nestas terras quando os portugueses chegaram, o já "brasileiros de 1969" enfiaram goela abaixo as tradições cristãs tal qual processo de aculturação liderado pelos jesuítas quase cinco séculos atrás. "Demonizado por um pastor evangélico e enxotado da posição de uãuã (Pajé na língua Paiter Suruí), Perpera Suruí lamenta a influência dos medicamentos introduzidos na tribo a partir do contato com o homem branco. O protagonista do filme também revela que precisa dormir com a luz acesa para evitar a reprimenda dos espíritos da floresta", explica o material de divulgação do festival.


Luiz Bolognesi explica que “Ex-Pajé” conta história do povo Paiter Saruí de "dentro para fora" e combina realidade e encenação para transmitir os conflitos que abalam as estruturas da tribo, como as consultas secretas ao pajé mesmo diante do medo de estar contatando o diabo. A resistência da cultura e da tradição de um povo enfrenta o impasse da globalização. Além de concorrer com a violência dos seringueiros e latifundiários, os indígenas suportam ainda um outro tipo de violação, que se não afeta sua terra nem integridade física, compromete seu modo de viver e pensar.


E se levarmos em conta os dados da Fundação Nacional do Índio (Funai), de que existem 225 povos indígenas, e referências de 70 tribos vivendo em locais isolados e que ainda não foram contatadas, podemos imaginar o que pode acontecer a estes povos remascentes do isolamento quando tiverem o contato com o "povo branco".


São questões pertinentes a serem discutidas em um momento que vemos minorias sendo massacradas em todo o mundo, somos empáticos a estes povos, mas esquecemos de olhar para o nosso próprio umbigo, onde pessoas são massacradas pela imposição de uma globalização que elas não desejam, sem respeito às suas tradições e convicções. O filme é um alerta e nos abre os olhos para a questão e fomenta o debate.


Este é o terceiro ano consecutivo que o Fica abre espaço para discussão de questões socioambientais tão necessárias à sobrevivência do planeta e do ser humano. Mas em um estado cuja capital ressalta por meio de monumento um dos maiores "matadores de índios", Bartolomeu Bueno, o Anhanguera, que dá nome à rua, à bairro além da estátua no entroncamento de duas principais avenidas do Centro de Goiânia, será que os governantes e participantes vão entender o quão ainda somos "colonizadores e colonizados"? Uma questão a ser lançada durante o debate após a exibição do filme de Luiz Bolognesi.


O cineasta assina o roteiro de obras como "Bingo: O Rei das Manhãs" (2017) – representante brasileiro na 90ª edição do Oscar – e "Bicho de Sete Cabeças" (2001).


Mais informações sobre o FICA no site http://www.fica.go.gov.br/. O festival será realizado de 5 a 10 de junho na Cidade de Goiás, a pouco mais de 200 km de Goiânia.

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