Marcus Vinícius Beck
Clima de Copa do Mundo
Amigo torcedor, por favor, deixe-me lhe explicar uma coisa: é clima de Copa do Mundo e não importa se você tem pretensão de torcer contra o escrete canarinho, ou simplesmente deixar de assistir as pelejas. Porém, para que haja convivência entre os fãs do maior evento do mundo e os adeptos da máxima “futebol é pão e circo”, é necessário esclarecer que você será daqueles que irá torcer, secar ou não está nem aí para a seleção pentacampeã do mundo.
Sei que minha retórica apaixonada pode parecer balela de botequim, coisa de bêbado mesmo, mas em época de Copa os corações costumam descer para a ponta da chuteira. De acordo com meu instituto Databoteco, censo que mede os dados estatísticos nas bodegas copo sujo da Capital goianiense, a indiferença está pairando no ar antes de a bola rolar na Rússia. Terra de Tolstoi, Tchekhov e Dostoievski, o país aso-europeu enfrentará a Argélia na primeira rodada.
Desculpa para beber, só se for. Porque a bola jogada pela rapaziada não deve ser lá essas coisas, mas a gente espera quatro anos para ver jogo ruim e poucos bons, talvez no mata-a-matam. Todavia, ainda que esporadicamente bocejemos ante o toque de bola dos africanos e aso-europeus, é mil vezes melhor do que o campeonato nacional, embora o torcedor que é torcedor sempre opte pelo time do coração em relação ao patriotismo futebolístico.
Deixando de lado as análises futebolísticas, pois há gente mais capacitada nesse sentido do que este cronista que vos batuca suas tensões pré-mundial, há quem se recuse a vestir o manto brasileiro. Afinal, só para lhes refrescar a memória, a amarelinha tornou-se símbolo dos protestos reaças que tomaram conta do país no contexto pré-impeachment. Ah, bobagem, meu consagrado, não misturo futebol com política, dizem outros. Para a gente é só uma competição de futebol, sem nada demais, ponderam outros.
Há aqueles que ainda não se desapegaram do 7 a 1 e desconfiem do discurso de Tite. Fico me perguntando se os aloprados intervencionistas também querem que o volante do Palmeiras Felipe Melo, simpatizante de Bolsonaro, como capitão do time ex-treinador corintiano na Rússia.
Na dialética do tempo, o clima e, até mesmo, o debate nos levam para a Copa de 70. À época, a esquerda brasileira chegou a ficar dividida. Para os mais radicais, e irracionais, torcer pelo timaço montado pelo comuna João Saldanha era a mesma coisa que compactuar com as barbáries do ditador Médici – o cara que mais aterrorizou durante os anos em que esteve no poder.
Penso completamente o contrário: Copa é tradição, passada de avô para pai e para filho, não confunda as estações. E, só para dar minha deixa, nos dias em que o Brasil entrar em campo irei evitar qualquer tipo diálogo com os camaradas que não sentem tais sentimentos arrebatadores pelo futiba da terra tupiniquim. A receita é atirar cervejas quando sair o gol e proferir vocábulos impronunciáveis quando alguém errar.
Ah, já ia me esquecendo, após o juiz decretar o fim do jogo é importante continuar a bebedeira. No dia seguinte, mesmo que você tenha aquela reunião inadiável na firma, passa na padaria da esquina e saboreie, como todo proletário brasileiro, um bom café da manhã. Quando o sono bater depois do almoço, vá até o banheiro de deficiente e tire um corte. Melhora, acredite.