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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Futebol: um fenômeno social complexo e relevante

Copa do Mundo

Manifestações presentes na realidade do futebol, como paixão e conflito, são fatores complexos. Cenário do esporte bretão segue lógica da globalização

Tido como fato social, futebol tem poder de mobilizar milhares de pessoas. Pesquisador afirma que reduzi-lo a ‘pão e circo’ é “simplista”. Foto: Reprodução


“Há dimensões de sociabilidade enormes, já que ações políticas e culturais são promovidas por conta do futebol” - Glauco Roberto Gonçalves, pesquisador.


“Em futebol, o pior cego é aquele que só vê a bola”. Escrita em crônica publicada no ano de 1958, quando a seleção canarinha venceu seu primeiro mundial, a frase do jornalista Nelson Rodrigues é um instrumento para entender a influência que o esporte bretão possui sobre a sociedade. Em época de Copa do Mundo, bares e restaurantes ficam cheios de pessoas com olhos atentos ao televisor, nervosos em jogadas erradas e fervorosos no momento do gol. Por outro lado, a máxima de que a peleja é “pão e circo” ganha força entre parte considerável dos brasileiros. No entanto, é inegável que o certame mobiliza milhares de torcedores em torno do mesmo propósito: reverenciar um time.


Por isso, a análise dos fenômenos presentes na realidade do futebol, da paixão e dos conflitos entre torcidas organizadas deve ser baseado em conceitos estudados pelas ciências sociais. Assim, o cenário de massificação e abrangência do jogo segue as tendências propostas pela globalização. Em contrapartida, o esporte tem uma série de particularidades que precisam ser compreendidas à luz das análises propostas por cientistas sociais. Se a tônica que rege a lógica da peleja é o negócio, os jogadores são seu principal produto. O papel social que o futebol dispõe é primordial para assimilar os motivos que levam o craque a virar ídolo de determinada torcida, pois são eles que garantem a presença de multidões nos estádios e angariam exposição midiática.


Professor da Universidade Federal de Goiás (UFG), o pesquisador Glauco Roberto Gonçalves explicou que o futebol precisa ser entendido como uma manifestação social complexa que mexe com a estrutura da sociedade. Segundo ele, a capacidade que o esporte bretão tem de mobilização é “mágica”. “Esse fator em específico chama bastante atenção, porque as pessoas se juntam, se encontram com um objetivo em comum, que é torcer por um time”, pontua. Para o pesquisador, a idéia de que o jogo seja ‘pão e circo’ é uma avaliação “simplista” que deixa de lado várias dimensões sociais responsáveis por compor o universo do torcedor. “Há dimensões de sociabilidade enormes, já que ações políticas e culturais são promovidas por conta do futebol”, argumenta.


Na década de 1930, o sociólogo Gilberto Freyre disse, em várias obras, que o futebol representa a miscigenação da população brasileira. Para o estudioso, cuja seleção no período em que escreveu suas crônicas esportivas tinha como craque Leônidas da Silva, a qualidade dos jogadores da seleção canarinha, o drible, a dança gingada confirmam a brasilidade da terra tupiniquim. “Os nossos passes, os nossos pitu’s, os nossos despistamentos, os nossos floreios com a bola, o alguma coisa de dança e de capoeiragem que marca o estilo brasileiro de jogar foot-ball, que arredonda e adoça o jogo inventado pelos ingleses e por eles e por outros europeus jogado tão angulosamente”, discorre Freyre, no texto Foot-ball mulato.


Além disso, influências familiares também podem despertar gosto por um clube. O jornalista Nasser Najar, 25, relatou que começou a torcer pelo Vila Nova por influência da família. Adepto do ditado de que um “sujeito troca de casa, mas não o clube do coração”, a paixão pelo tigre da vila famosa foi herdado de seu pai e desde a infância o clube possui espaço reservado em seu coração. “Sempre brinco que me divirto torcendo para o Fluminense e o Vila é a minha religião”, diz ele, que não desgruda os olhos da televisão nesta Copa do Mundo. “A gente espera quatro anos para ver jogos que só são possíveis de serem assistidos neste torneio. Não entendo o porquê de a galera tecer comentários contrários acerca desse hábito”.


Nova era


“Você já entrou, alguma vez, num estádio vazio? Experimente. Pare no meio do campo, e escute. Não há nada menos vazio que um estádio vazio. Não há nada menos mudo que as arquibancadas sem ninguém”. O jornalista e escritor uruguaio Eduardo Galeano escrevera esse trecho em meados da década de 1990, quando a ‘modernização’ do futebol estava sendo colocada em prática aos poucos. Ao ser inaugurado em 1950 para a disputa da Copa do Mundo, o estádio do Maracanã virou símbolo e identidade nacional. Com o passar dos anos, porém, foram surgindo novos tipos de torcedores, alguns mais ativos, outros mais retraídos. Portanto, o templo mundial do futebol incorporou ao jogo um caráter de festa popular.


Porém, com a virada do milênio, o hábito de fazer do jogo uma celebração genuinamente popular vem se transformando. Reformas sucessivas, que foram acentuadas por conta da Copa do Mundo de 2014, modificou o estilo do estádio mais famoso do mundo. As chamadas gerais foram praticamente extintas em várias cidades do Brasil e as arquibancadas passaram a ganhar novos assentos, que incentivam torcedores a assistir aos jogos sentados e, de preferência, em silêncio. Além disso, o preço cobrado pelos times em partidas disputadas pelos torneios domésticos afastou aficionados pelo esporte bretão com poder aquisitivo menor, fato que pode ser constatado na Arena Corinthians.

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