- Lays Vieira
O que houve na final da copa e você não sabia
Copa do Mundo
O jogo entre Croácia e França foi bom, mas foi ainda melhor por um motivo: o Pussy Riot

A partida entre França e Croácia, válida pela final da Copa do Mundo da Rússia, foi marcado pelo protesto do grupo feminista Pussy Riot. Foto: Reprodução
Provavelmente você já sabe que integrantes do Pussy Riot entraram em campo durante o segundo tempo da partida entre França e Croácia, na final da Copa do Mundo de futebol, na Rússia (o presidente russo, Vladimir Putin, acompanhava o jogo ao lado do presidente francês Emmanuel Macron e da presidente croata Kolinda Grabar-Kitarovic.). Essa manifestação, segundo declarações do grupo em suas redes sociais, ocorreu em prol da liberdade de expressão e de presos políticos, contra a Fifa, que possuem longo histórico de se aliar a regimes repressores e pela permissão da competição política na Rússia, entre outras reivindicações. O governo respondeu com 15 dias de prisão para os envolvidos. Isso você também provavelmente já sabe, pois, diversos meios de comunicação ao redor do mundo divulgaram a notícia. Mas, será que você sabe o que é o Pussy Riot o pelo que ele luta?
O Pussy Riot é um grupo de punk rock feminista, conhecido pelas críticas sobre as liberdades civis, direitos humanos e à maneira que o governo Putin lida com opiniões dissidentes. Ganharam notoriedade internacional depois de cantaram músicas de protesto contra o governo russo na Catedral de Cristo Salvador, em Moscou, em fevereiro de 2012, sendo as envolvidas condenadas, à época, a dois anos de prisão.
Mas, muito mais do que isso, o grupo é um coletivo de artistas, principalmente mulheres, formado em 2011, com o objetivo de misturar arte e política. Como declaram: "o que temos em comum é a imprudência, letras politicamente carregadas, a importância do discurso feminista e uma imagem feminina fora do padrão". Além de performances o Pussy Riot denuncia, principalmente o machismo e a opressão ainda bastante forte na sociedade russa. Na música “Death to prison, freedom to protest”, elas cantam: “The joyful Science of occupying squares. The will to everyone’s power, without damn leaders. Direct action – the future of mankind! LGBT, feminists, defend the nation! Death to prison, freedom to protest. Make the cops serve freedom [...]”. Algo como: “A alegre ciência de ocupar praças. A vontade de um poder para todos, sem malditos líderes. Ação direta - o futuro da humanidade! LGBT, feministas, defendam a nação! Morte à prisão, liberdade para protestar. Faça os policiais servirem a liberdade [...] ”. Em outra música, “Virgin Mary”, criticando a forte ligação entre grupos religiosos e o governo, canta-se: “Virgin mary, mother of god, become a feminist. Become a feminist, become a feminist. The church’s praise of rotten dictators [...]”. Traduzindo: “Virgem Maria, mãe de Deus, torna-se feminista. Torne-se feminista, torne-se feminista. O louvor da igreja aos ditadores podres [...]”.

Apesar do centenário da Revolução de 1917, o País ainda é movido pelo conservadorismo. Foto: Reprodução
No ano passado fez-se 100 anos da Revolução de 1917 mas, infelizmente, o conservadorismo é uma característica marcante da Rússia de hoje (já no terceiro mandato de Putin). O conservadorismo está elevado a ideologia não-oficial, plataforma moral e norte político do governo. Para o leitor ter uma ideia de como é problemática a relação da classe no poder, apoiada pela igreja Ortodoxa russa (também chamada de Patriarcado de Moscou), e as minorias sociais desse país: segundo pesquisa apresentada pelos estudantes de história da Universidade Federal de Uberlândia, Gustavo de S. Rubbi, Larissa C. Batista e Ualisson P. Freitas, no ano passado, a homossexualidade foi considera crime no país até 1993. Mas, foi considerada uma doença mental até 1999 e, ainda hoje, boa parte da população russa acredita nessa ideia e cerca de 54% acha que a homossexualidade deve ser punida. Posteriormente, em junho de 2013, houve a aprovação de uma lei na Câmara de Deputados da Rússia (a DUMA), proibindo a propaganda de relações afetivas consideradas não-tradicionais para menores de idade, proibindo também apoio físico e jurídico as causas LGBT. Em 2015, transexuais foram proibidos de tirar carteira de motorista e até já foram propostas a aplicação de multas e detenção de duas semanas para quem se declarasse gay ou lésbica em público.

Mais conhecida como Nadya Tolonko, Nadezhda A. Tolokonnikova já protestou por meio de sua música irreverente na catedral de Moscou. Foto: Reprodução
Nadezhda A. Tolokonnikova, também conhecida como Nadya Tolokno, uma das condenadas em 2012 por irromper e protestar com sua música irreverente na catedral de Moscou, em protesto contra o apoio da igreja à eleição de Putin, disse em entrevista ao El País, em 2017, que não sabe como alguém pode acreditar na imagem que Putin projetou para si em âmbito global, como alguém decidido e carismático. Segundo ela: “Há alguns meses estava em cartaz na Rússia uma obra de teatro que tratava de várias baratas que se juntavam e pouco a pouco conquistavam o poder... e acabou sendo suspensa. Putin tem uma imagem de alguém poderoso entre as pessoas mais velhas. Agora gosta de se mostrar como o macho, mas quando chegou ao poder era um homem pálido e fraco. Quando foi eleito pelos oligarcas que o controlam, ele não sabia o que fazer com o poder, e ano após ano foi construindo uma imagem, que é a que o mundo conhece. Mas seu poder é altamente ineficaz. Conheço regiões onde as escolas estão sem eletricidade e o Governo não faz nada. ”
Então, caros leitores, quando você ver alguém por aí comentando tão rasa e brevemente sobre aquela singela invasão na final do mundial, lembre-se que de rasa aquilo não tem nada!