Marcus Vinícius Beck
A sofrência musicada
Música goiana
Cantora mais vista em plataformas digitais como youtube e spotify, Marília Mendonça emociona ouvintes por meio de suas letras que retratam sofrimentos amorosos

A cantora Marília Mendonça durante show no começo deste ano - Foto: Reprodução
“Iê, iê, iê/ eu quero ver você morar no motel/ Daqui um tempo você vai se acostumar/ E aí vai ser a ela quem vai enganar/ Você não vai mudar”. Passavam das 22h de domingo no Setor Criméia Leste, em Goiânia, quando começou a tocar no auto-falante o clássico cantora Marília Mendonça. Eu tinha de trabalhar no dia seguinte, mas não estava preocupado com meus afazeres diários. A canção veio aos meus tímpanos crescendo ritmadamente até explodir o refrão. Ainda estava sentindo a iminente dor de cotovelo por uma paixão que não fora bem sucedida. Se ao término da música Marília gerou em mim lembranças irracionais de ex-parceiras, suas letras de fato letras fazem jus à alcunha de rainha da sofrência.
No instante em que me encontrava completamente anestesiado pelos versos flamejantes da cantora, eis que o rádio começa a ressoar “Alô porteiro”. “Moss, agora cê foi longe”, disse o jornalista Thompson Silva, fã de Marília e de música sertaneja. O estrago sentimental, no entanto, já havia sido feito. Não havia mais volta. Minutos antes de colocar a canção para tocar, já tinha compreensão do que poderia acontecer. Sim, o álcool corria pelas minhas veias e fazia de mim uma espécie de Paul Kemp - personagem do livro Diário de um Jornalista Bêbado, do escritor Hunter Thompson -, porém sem o gosto excessivo pelo folk intelectualizado de Bob Dylan. Poderíamos tranquilamente ser definido como dois jovens alternativos, mas inebriados pela dor de cotovelo.
Com apenas 22 anos, e menos de três de carreira, Marília Mendonça não é apenas a Rainha da Sofrência. Suas músicas são acessadas por 4,7 bilhões de pessoas no youtube, o que faz dela a cantora mais ouvida do momento. Para atender a demanda de apresentações pelo País, a produção do show de Marília conta um jatinho particular, uma equipe com cerca de 30 pessoas, um ônibus e uma carreata. Esse sucesso e essa super-produção, na visão da artista, nada mais são do que fruto daquilo que canta em suas canções. Diz ainda que a realidade - nome do seu segundo disco cuja coletiva de lançamento contou com a presença de jornalistas do DM Revista - presente nas letras tem enorme responsabilidade por fazê-la cair nas graças do público.

Artista é um dos maiores símbolos do “Feminejo” e da sofrência na música sertaneja atual - Foto: Reprodução
No entanto, Marília garante que o tom realista e pessoal da sofrência presente em sua obra não é determinante na vida amorosa. Ainda que não tenha necessariamente de narrar histórias que aconteceram no cotidiano, a artista afirmou que todo seu trabalho como observadora e conhecedora dos mistérios amorosos continua. “No novo disco (Realidade Ao Vivo) não tem tantas histórias que aconteceram comigo”, explica. Questionada sobre a musicalidade das canções, falou que seu ecletismo a conduz por várias influências, o que pode ser constatado tanto pelo pagode, que herdou do pai, e rock brasileiro, gosto da mãe. Fã da “marvada”, a musa da música sertaneja nunca fez questão de esconder seu lado etílico. “Meu tempo livre ou é tomando uma ou assistindo série e filme”, conta Marília, cujo apreço por uma gelada e pelo estado de tranquilidade em frente ao netflix faz com que seja parecida com nós.
Origens
Natural de Cristianópolis, cidade a 90 quilômetros da capital goiana onde somente nasceu, a cantora Marília Mendonça foi com poucos dias para Goiânia, que é tida como o pólo de música sertaneja no País. “Cristianópolis foi a cidade onde nasci, mas na verdade fui lá só pra nascer. Tinha um médico que era da confiança do meu pai e ele não podia fazer o parto em Goiânia no dia que eu nasci”, relata. Na pré-adolescência, Marília não gostava do gênero, preferindo canções de pop rock ao estilo que canta hoje. Quando começou a tocar na igreja, rabiscou algumas letras que ainda não evocavam o estilo musical que a tornaria famosa. O responsável por colocá-la no caminho da dor de cotovelo foi o amigo Eduardo Marques, amigo com quem chegou a formar a dupla Eduardo e Marília, que durou menos de um ano.
Assim como outros sertanejos famosos que moram em Goiânia, dentre eles Leonardo, Eduardo Costa e expoentes do feminejo, tais como Simone & Simaria e Maiara & Maraiza, Marília mora em um dos vários condomínios de luxo que há na capital goianiense. Os imóveis, que costumam ter piscina, vários quartos e andares, superam facilmente a casa dos milhões de reais e são os mais procurados da cidade. A cantora ainda comprou recentemente uma chácara em Aparecida de Goiânia, que custou R$ 2 milhões. Apesar de os locais onde residente serem diferentes do Parque Amazônia, ela enfrenta os mesmos problemas do início da carreira: a reclamação dos vizinhos em função do som alto.
Por fim, Marília disse que não está habituada à fama e o contínuo “pisar em ovos”. “Muita coisa me assusta. Eu ainda não consegui entender nada do que aconteceu, porque ainda não tive tempo para isso. Se eu faço um posto no instagram como eu fazia antes, expressando minha opinião, quando eu vejo o negócio já está em todos os blogs de fofoca”, explica. Embora demonstre preocupação com a opinião pública, a cantora afirmou que procura manter a normalidade e autenticidade em sua vida particular. “Não consigo entender como alguns artistas conseguem viver o tempo inteiro dentro de uma caixa. Ainda não me adaptei com isso e nem quero me adaptar”, diz.
Mercado
Faz quase 40 anos que a música sertaneja ganhou força no Brasil. Sempre com letras sofridas, que retratam fracassos amorosos, o gênero atingiu maior alcance na década de 1990, quando as duplas Leandro e Leonardo, Chrysthian e Ralf e Zezé di Camargo e Luciano estouraram nas rádios pelo Brasil. Neste período, Nalva Aguiar e Roberta Miranda despontaram no cenário, abrindo as portas para que o viria acontecer 20 anos depois, com sucessos de Simone e Simaria e Marília Mendonça, expoentes do feminejo. Em entrevista ao Diário da Manhã no ano passado, Marília disse que já se deparou com mulher chorando em seu camarim. “Relacionamento abusivo pra mim não é só aquele em que a mulher apanha e há agressão, mas aquele em que não há respeito aos sentimentos. E não é só sobre sentimento, algumas vezes, pela minha postura e pela minha autoestima, as pessoas se sentem ajudadas”, afirma.

As cantoras Simone e Simaria, outra dupla símbolo do chamado “Feminejo” no Brasil - Foto: Reprodução

As irmãs gêmeas maiara e maraisa também conquistaram a fama e o sucesso dentro do ‘Feminejo’ - Foto: Reprodução