Marcus Vinícius Beck
Medo e delírio ante a barbárie

Foto: Diego Bresani
Por volta das 15 horas de uma quarta-feira qualquer, o candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSC) adentrou a redação do Diário da Manhã com o objetivo de apertar a mão do diretor e do repórter mais antigo do jornal. Com semblante fechado e cara de soldado fora de combate, ele estava acompanhado pelo deputado federal Delegado Waldir e assessores, que aparentavam estar igualmente furiosos. Ao dar o primeiro passo em direção à mesa do editor-chefe, que fica em um aquário ao fundo da sala, o presidenciável esbarrou em uma companheira de profissão, mas sequer teve o ímpeto de pedir desculpas pelo ato de má educação.
“Não vou entrar lá, não”, ruminou em seguida, virando as costas e caminhando no rumo da saída. Confesso que tentei ver se havia algum lado bom nesse viúvo dos anos de chumbo, porém a tentativa foi em vão. Basta olhar ao semblante do sujeito para ver ódio e raiva vertendo ali tal como os vocais das bandas de heavy-metal do leste europeu. Além disso, trata-se de um fracasso monumental que tem a terrível pretensão de querer transformar o Brasil em um quintal do tio-sam, ao sagrar-se presidente da República. Sim, se você está esperando que algo diferente disso que contei até aqui aconteça, recomendo: é melhor começar a rever seus conceitos.
Com tudo isso, é difícil não angariar unicamente por uma mesa de plástico em um bar copo sujo e chorar lágrimas de crocodilo. Bem… puxa vida. Quando o olho frio da história analisar as eleições que se vislumbram, vai mostrar que a candidatura de um ex-militar reformado - e atualmente deputado federal cujos projetos de sua autoria parecem decretos que integravam o Ato Institucional Número 5 - era o reflexo da metástase que vinha acometendo a sociedade brasileira há anos. Ora, para efeito de comparação, a Comissão Nacional da Verdade (CNV) simplesmente não pode ser levada a sério, porque incontáveis famílias ainda aguardam indenização do Estado por conta do desaparecimento de presos políticos.
O que eu quero dizer é que ainda vivemos sob a escuridão dos porões da Ditadura Militar. Talvez seja por isso que um demente em proporções assustadoras tenha a ambição de ser presidente; um demente que não se cansou de saudar a Ditadura no plenário da Câmara; um demente que não perde a oportunidade de atacar as minorias e pregar a morte de pessoas; um demente que faz apologia ao estupro; um demente que desconhece premissas básicas de civilidade; um demente que não possui o domínio da retórica, conforme ficou explícito no Roda Viva - aliás, um demente que vai à emissora em que Vladimir Herzog trabalhava para destilar suas lorotas.
Este é o horror da política brasileira hoje: os ídolos de Bolsonaro foram condenados pelas linhas da história em função dos crimes contra a humanidade, mas ainda sim estão palpitando sobre o caminho que o Brasil precisa trilhar para alcançar o desenvolvimento social, econômico, político e geopolítico. Como se não bastasse, o milico ainda cercou-se de burocratas desprezíveis que mais parecem ratos caminhando por cima de calçadas cheias de bitucas de cigarro.
Até quando, Senhor, até quando? Até que as coisas de fato fujam do controle para seremos obrigados a voltar anos e anos rumo às páginas manchadas de tinta vermelha? A democracia deveria valer todos os riscos, mas é impossível vê-la dessa forma. Sob essa égide, um depravado pode triunfar no próximo pleito e, em caso de vitória, teríamos de aguentar ele no Poder, ou iremos às ruas lutar com todas as nossas forças para tirá-lo de lá e devolvê-lo para sua verdadeira casa: o xilindró. Enquanto isso, militantes que lutam por uma causa nobre, como melhores condições de vida para a população em geral, terão de lidar com uma condenação em primeira instância.
Olhando para os fatos que se desenrolam em nosso País e que se desenrolaram nas décadas movidas pela tônica do chumbo, manchadas por gritos, choros e mortes, tudo parece um filme de Pier Paolo Pasolini - o cineasta italiano que provocou críticas acaloradas à sociedade italiana por meio de suas obras. Até hoje, sua morte é um completo mistério, que suscita dúvidas acerca do que a teria motivado. Pasolini era ligado ao partida comunista italiano.
Enfim, talvez essas palavras que escrevi até aqui sejam meros medos e delírios de um jornalista viúvo do jornalismo gonzo... Está fazendo calor durante os dois e frio à noite. Hoje é meu aniversário, e eu não tenho sequer um tostão para encher a cara. Será que é realmente uma era nova? Uma era em que trará a nós a tão sonhada luz no final do túnel? Estamos no fundo do poço, será? Ou estamos adentrando lentamente a Era do Medo?