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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Assédio e estupro fazem parte do cotidiano das mulheres

Opressão

Metamorfose conversou na tarde de ontem com várias vítimas de assédio sexual. Pesquisa mostra que 42% das brasileiras acima de 16 anos já sofreram com esse tipo de violência

Foto: Júlia Lee

“Suas roupas são provocadoras, você deveria deixar de usá-las” - J.A, jornalista


Enquanto passava batom no banheiro da empresa em que trabalhava, a autônoma Lúcia da Silva Gomes, 44, nome fictício para preservar a identidade da personagem, foi estuprada pelo próprio patrão. Em dado momento, ao sentar-se em uma cadeira, ela precisou se defender para não ser beijada na boca à força. Mas não parou por aí. Conviveu com indesejadas carícias aos seus órgãos genitais e comentários inapropriados. As cenas aconteceram em junho do ano passado, porém deixaram marcas nela que se estendem até hoje. Como conseqüência dos transtornos, Lúcia adquiriu vários problemas psicológicos, além de perder o emprego e ser despejada.


A história, no entanto, não é um caso isolado na capital goianiense. Na tarde de ontem, a reportagem do Metamorfose conversou com dez mulheres. Todas relataram situações constrangedoras vivenciadas no ambiente de trabalho. Pesquisa do Datafolha divulgada em janeiro deste ano informou que 42% das brasileiras com 16 anos ou mais declarou já ter sido vítima de assédio sexual. Em geral, é mais comum o relato desse tipo de violação entre as mais escolarizadas (57%) e de renda até dez salários mínimos (58%). Nas ruas, uma em cada três disseram ter sofrido assédio. Importunações nesse sentido no ambiente de trabalho foram relatadas por 15% das entrevistadas.


Mãe de um garoto de oito anos, Lúcia não sabia se poderia acionar judicialmente o agressor. O pesadelo, entretanto, começou quando ela foi buscar dinheiro na empresa onde era secretária. Durante uma conversa, ele teria falado a ela que estava com problemas para ejacular, e que seu médico o orientou a se relacionar sexualmente fora do casamento. Segundo a advogada Valéria Eunice Mori Machado, que é responsável pela defesa de Lúcia, o empresário chegou a comunicar a abertura de novo processo seletivo em função da recusa dela. “Ele criou um clima para ela se sentir ameaçada, e, no julgamento, foi contraditório”, diz.


A jornalista J.A, 22, contou que também já sentiu na pele os efeitos gerados pelo assédio sexual. Ao trabalhar para um senador, ela afirmou que ouvia comentários do tipo “suas roupas são provocadoras, você deveria deixar de usá-las”. “Além disso, foram inúmeras vezes em que chegaram a passar a mão em minha bunda ou tecer comentários com teor explicitamente sexual”, narra. Ela pontuou também que outras formas de assédio, ou estupro, podem causar problemas à vítima. “Em assédio moral, por exemplo, você não sabe muito bem como reagir, e fica à mercê da violação. Nós mulheres passamos todos os dia por situações horríveis”, frisa ela, que é atuante no movimento feminista em Goiás.


Em nota à reportagem, a Frente Autônoma Feminista disse que em um País “em que somente 8% dos casos de estupro notificados na delegacia, é inadmissível que o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 18° siga com o processo de matéria que não é sua competência”. A entidade criticou a postura do tribunal ao aceitar testemunho onde o estupro e violência sexual é comparado “à conduta extraconjugal prescrita para a falta de prazer masculino”, e destacou que o empresário teria usado de um problema médico para justificar o episódio. Por fim, a frente salientou que não se pode “tolerar esse tipo de violência institucional ser naturalizada”.


Na sentença, que foi alvo de críticas do movimento feminista goianiense, a juíza do trabalho Ceuma de Souza Freitas disse que, na primeira audiência, “as reclamadas compareceram à audiência inicial e apresentaram em forma de contestação”. Porém, na sessão seguinte, foram colhidos os depoimentos de ambas as partes, mas não foram apresentadas testemunhas, conforme a magistrada. “Sem outras provas, encerrou-se a instrução processual”. Sobre o áudio que circula nas redes sociais onde é possível ouvir o empresário assediando lúcia, Freitas garantiu que “aqueles elementos de prova não permitem aferir a extensão de tal conversa”.


Protesto


A Frente de Luta Autônoma Feminista organiza hoje às 8h30 manifestação na porta do Tribunal Regional do Trabalho em prol de Lúcia da Silva Gomes, nome fictício para preservar a identidade da fonte. Segundo os organizadores, o objetivo é promover reação acerca da decisão do tribunal e não deixar de lutar pelo sofrimento que várias mulheres passaram no dia a dia. “O ato será pela vida de Lúcia, estuprada pelo próprio patrão. Nenhum dia de descanso pela vida das mulheres, nenhuma a menos”, afirma. Cerca de 100 manifestantes devem comparecer ao ato.


Na semana passada, o Metamorfose noticiou que no ano passado mais de 10 mil mulheres buscaram medidas protetivas relativas à Lei Maria da Penha. Neste ano, o Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO) disse mais de 5 mil recorreram aos trâmites legais para combater essas agressões. Em função disso, o titular da Vara da Violência Doméstica contra a mulher de Rio Verde, Vitor Umbelino, disse na ocasião que em 12 anos houve avanços no combate à violência doméstica, mas destacou que ainda é preciso caminhar mais para acabar com a agressão à mulher.


Em artigo publicado no site Justificando, a advogada Isadora Martinatti Penna explicou que a prática de assédio sexual precisa ser compreendida à luz do exercício de poder masculino sobre as mulheres, e não da ótica da sexualidade. Segundo ela, há várias formas de expressar esse tipo de comportamento. “Essas situações de assédio colocam a mulher em uma condição constrangedora e indigna, podendo causar-lhe insegurança e desconforto no trabalho, abalos psicológicos, baixa auto-estima, dentre outros efeitos em seu bem-estar e sua vida profissional”, destaca.

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