Marcus Vinícius Beck
Agitação cultural pode movimentar o Centro
Goiânia
Plano Diretor prevê estímulo para ocupação do Setor Central. Jornalista deve inaugurar novo bar e casa cultural nos próximos dias

“O imóvel que foi escolhido para ser a sede do bar e casa cultural, a Casa Liberté, é um casarão antigo da cidade de Goiânia, que fica ao lado do colégio Lyceu, uma das escolas mais antigas da Capital”- Heitor Vilela, jornalista e agitador cultural
Casa Liberté é um dos empreendimentos culturais que promete movimentar o Centro. Foto: divulgação
Um dos bairros mais antigos de Goiânia e conhecido pela arquitetura em estilo art déco, o Setor Central está sem investimento há pelo menos três décadas. Mas novas iniciativas com o objetivo de agitar a cena cultural podem levar às pessoas para a região mais charmosa da capital goianiense. Atualmente, ao findar o horário comercial, é raridade encontrar gente perambulando pelas sinuosas ruas do Centro. O dia em que há mais fluxo de pessoas é na sexta-feira, quando iniciativas como o Chorinho atraem o público para contemplar atrações musicais e ir aos bares no entorno da Avenida Goiás.
A justificativa para a baixa movimentação é que a região não teria a circulação de investimento necessária para manter sua vida cultural ativa. No entanto, a Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Urbanização (Seplahn) vem dizendo desde o início do ano que a ocupação do Centro será tratada como prioridade no novo Plano Diretor. Discutido em sessão plenária, mas ainda aguardando ser votado pela Câmara de Vereadores, o documento prevê por meio de isenções urbanísticas construções e “aproveitamento democrático” do espaço urbano. Impasses burocráticos, todavia, podem dificultar empreendimentos na região.
Preocupado com a memória da capital goianiense, o jornalista e agitador cultural Heitor Vilela, 24, argumenta que a cidade vai na contramão da tendência encontrada em outras capitais brasileiras. Ele acredita que o Centro de Goiânia está sendo subocupado e subutilizado em função das propostas culturais que há no momento para bares e casas culturais. Reforçou ainda que, embora a maioria dos estabelecimentos, como teatros, museus e palcos de shows sejam no bairro histórico, o horário de fechamento é “muito cedo” e, assim, a vida cultural da região não seria tão movimentada em relação às outras cidades históricas.

Jornalista e agitador cultural, Heitor Vilela deve abrir ao público nas próximas semanas casa cultural. Foto: Maria Luiza Graner
“O imóvel que foi escolhido para ser a sede do bar e casa cultural, a Casa Liberté, é um casarão antigo da cidade de Goiânia, que fica ao lado do colégio Lyceu, uma das primeiras escolas da Capital. Próximo ao imóvel também há a sede da Academia Goiana de Letras e outros prédios históricos”, conta Heitor, que deve abrir a casa ao público em breve. “Uma nova opção com shows e outras manifestações culturais farão com que o centro seja mais atrativo em relação à outros bairros da cidade. Movimentando culturalmente a casa, outros espaços do centro certamente irão ganhar atenção”, conclui ele, que também é ilustrador.
Iniciativas como as Heitor fazem com que o centro não se torne deserto ao cair da noite. Em janeiro, o titular da Secretaria Municipal de Planejamento Urbano e Habitação (Seplahn) Henrique Alves disse que a criação de novos empreendimentos aumentará as opções de recreação na região e contribuirá para que o histórico bairro não se torne esquecido. Na ocasião, a pasta ressaltou que haverá estímulo para novos empreendimentos na região. O bairro conta com 22 prédios tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan).
Melhorias
Segundo o líder comunitário Sanivaldo Silva Ramos, 48, a prefeitura está agindo para trazer melhorias ao centro, mas ele frisou que o esforço ainda é insuficiente. “A secretaria de planejamento urbano e cultura está se esforçando. A prova disso é a iniciativa do chorinho, no Grande Hotel, que traz várias pessoas de diversas regiões da cidade toda sexta-feira para o Centro”, diz. Ramos afirmou que o tradicional Mercado da 74, ponto que reúne bares e atrações musicais, também é uma iniciativa importante para manter viva a memória de Goiânia. “Mesmo assim, é preciso mudar a história do bairro”, frisa.
Já o presidente da Sociedade Goiana de Art Déco Gutto Lemes comentou que o centro da cidade precisa começar suas mudanças repensando primeiramente a poluição visual. “Acredito que essa região da cidade necessite de mudanças, sobretudo visuais”, declara. Ele ainda ponderou que as ocupações culturais podem atrair olhares para Goiânia, que é tida como referência mundial na arquitetura déco. “É preciso desobstruí-las, pois desta forma turistas serão atraídos para a região, o que pode gerar lucro aos cofres do município”, completa.
Em pesquisa divulgada no ano de 2006, o historiador Ciro Augusto de Oliveira esclareceu que iniciativas neste sentido podem provocar melhor desenvolvimento urbano, além de manter viva a memória da cidade e seu patrimônio arquitetônico. “Esse modelo de desenvolvimento toma como um dado econômico e cultural a estrutura e a forma da cidade, e como um dado social a trama de relações sociais de atividades que podem suportar”, explicou o pesquisador, em artigo.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a população de Goiânia aumentou 44% em 20 anos, enquanto a do centro registrou queda de 7% neste período, ou seja, a tendência constatada na capital goianiense é um êxodo do centro para outros bairros. Neste tempo, a preferência de moradia passou a ser a região sul da capital, cujo crescimento foi de 56%, subindo de 25 para 39 mil habitantes.
Centro está perdido entre fechadas e toldos que alteram sua arquitetura

Paço Municipal apresentou projeto para resgatar Centro Histórico de Goiânia e Campinas. Iniciativa visava estabelecer regras para quem propagandas na região. Foto: Reprodução/ Curta Mais
Quem caminha pelo Setor Central não percebe que existe uma cidade escondida ali. A beleza da arquitetura art déco se perde em um emaranhado de toldos, fachadas, totens e arranjos metálicos dos mais diversos tipos. Sem a mínima possibilidade de enxergar Goiânia tal como ela é, só resta imaginar. “Penso que temos escondidos no centro um tesouro, inúmeros prédios art déco, construções históricas, muita coisa escondida”, disse ao DM presidente da Sociedade Goiana de Art Déco, Gutto Lemes, em fevereiro do ano passado.
Lemes pontuou ao Metamorfose que a preservação do patrimônio déco deveria acontecer por meio dos órgãos fiscalizadores com objetivo de conscientizar comerciantes e proprietários sobre a importância de manter as fachadas e arquiteturas originais. Com isso, garante ele, a própria população da capital goianiense iria visitar o centro com mais frequência, além de ter maior presença de turistas pela região, “aumento na arrecadação de impostos, comerciantes vendendo mais, donos dos imóveis tendo suas propriedades valorizadas, juventude e saudosistas com uma nova cidade para frequentar”. O ativista ainda sugere uma força tarefa que envolva diversas instituições para devolver "a cidade a famosa cidade escondida atrás dos letreiros”.
“No último mês de julho, realizei campanha 'Valorize quem Valoriza o Patrimônio’ de captação de imóveis comerciais no centro pioneiro que adotaram locais históricos para instalarem seus empreendimentos”, diz o presidente da Sociedade Goiana de Art Déco. Ele explicou que “a ideia dessa prestação de serviços simples e direta foi de valorizar os empresários dos ramos de gastronomia, saúde, cultura e serviços que investiram em imóveis com referências históricas”. Lemes também contou que foram catalogados 12 estabelecimentos.
“Pouco para um centro histórico na dimensão que temos, mas espero que no futuro seja a semente que irá transformar de vez o centro pioneiro de Goiânia”, lamenta. “Gostaria de parabenizar empresários, franceses, paulistas, portugueses, gaúchos, goianos... dos quais valorizaram nosso acervo na região central e que resistem bravamente a todas as crises. E fazer um apelo para nossos proprietários e empresários locais que valorizem suas fachadas e que o centro vale a pena investir”, conclui.
Organizações sociais
Para o líder comunitário Sanivaldo Silva Ramos, as Organizações Sociais (O'S) que administram o Centro de Convenções, na Avenida Paranaíba, são responsáveis por expulsar os empreendimentos da região, já que o preço cobrado pelas O'S para alugar o espaço é alto e afasta possíveis investidores. “As empresas cobram uma quantia fora do comum para os empresários utilizarem o local. Como consequência, não há fomento às atividades culturais”, confessa o líder comunitário, que mora no centro há doze anos.
Ex-morador da região, o arquiteto Danilo Bastos, 27, pensa que é necessário maior fomento à abertura de bares e restaurantes na região. “Bares atraem pessoas”, diz ele, ressaltando que grandes cidades possuem concentração de estabelecimentos boêmios na região central. “Porém, eu reconheço que está havendo algumas ações com intenção de promover a ocupação do centro, coisa que não se via antes”, reconhece.
Planejada na década de 1930, Goiânia é tida como símbolo da modernidade

Praça Cívica. Foto: Reprodução via Facebook Goiânia Antiga
Goiânia é uma cidade planejada e símbolo da modernidade. Surgida na década de 1930 como fruto da Marcha para o Oeste estimulada pelo então presidente Getúlio Vargas, a capital goiana é realçada por dezenas de prédios em estilo art déco. A construção da nova capital tinha o objetivo de acelerar o desenvolvimento e incentivar a ocupação da região Centro-Oeste do Brasil. As primeiras construções foram projetadas pelo urbanista Attílio Corrêa Lima.
No entanto, essa riqueza é desconhecida pelos brasileiros, e até mesmo dos goianienses. Em 2003, o conjunto urbano de Goiânia que inclui 22 prédios e monumentos públicos - concentrados em sua maioria no Setor Central e Campinas, antigo município e atual bairro da Capital - foram tombados pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Nacional (Iphan). Dentre as edificações, destacam-se o Cine Teatro Goiânia e a Torre do Relógio da Avenida Goiás, de 1942, além da Estação Ferroviária, na Praça do Trabalhador.
Corrêa Lima deu o ponta pé no projeto de Goiânia e Armando de Godoy foi a mente dos trás do Plano Diretor, que tinha inspiração na teoria das cidades-jardim, do urbanista inglês Ebenezer Howard. Em um primeiro momento, foram abertas apenas três avenidas (Goiás, Araguaia e Tocantins) que confluem para o centro, onde foi erguido o Palácio das Esmeraldas, sede do governo estadual.
Desde o século XVIII
A história de Goiânia remonta ao século XVIII. Em 1753, o governador da Capitania de Goiás, D. Marcos de Noronha (Conde dos Arcos), anunciou que tinha a pretensão de transferir a capital de Villa Boa de Goyaz, hoje Cidade de Goiás, para a atual Pirenópolis, também cidade histórica e um dos pontos turísticos do Estado. Décadas mais tarde, no Brasil imperial, o desejo de mudança foi manifestado pelo governador Miguel Lino de Morais, que propôs a mudança da capital para a região próxima ao município de Niquelândia, um dos mais antigos do Estado, localizado na região norte.
Como grande parte do Brasil Central, a ocupação das terras goianas começou a ocorrer com o avanço dos bandeirantes paulistas em busca de ouro e pedras preciosas. Entre os séculos XVIII e XIX, houve períodos de riqueza e prosperidade. Villa Boa de Goyaz, a então sede do governo estadual, era o centro do desenvolvimento em função das minas de ouro. Mas quando a produção começou a decair e a economia estagnou, o outro governador da província, José Vieira Couto de Magalhães, trouxe de volta o debate acerca da transferência da capital.
Com a aprovação da Constituição do Estado em 1891, a mudança da capital enfim começou a tomar forma. Durante a Revolução de 1930, o interventor Pedro Ludovico Teixeira deu início ao processo de construção da cidade que seria a nova sede do governo. A escolha do local ficou sob responsabilidade do urbanista Attílio Corrêa Lima, em 24 de outubro de 1933. Ludovico, então, lançou a pedra fundamental. Lá, atualmente, encontra-se o Palácio das Esmeraldas, na Praça Cívica. Goiânia foi oficializada como capital do Estado em março de 1937.