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  • Lays Vieira

Seis meses depois e nenhuma resposta

Caso Marielle

Muito mais do que um crime, esse assassinato é uma das representações de que a democracia brasileira vem morrendo a cada dia

Caso Marielle Franco segue sem solução. Foto: Reprodução

No próximo dia 20, a arquiteta Mônica Benício vai participar do Conselho de Direitos Humanos da ONU e denunciará ao órgão a lentidão na investigação sobre a morte de sua esposa, a vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), e do motorista Anderson Gomes. No último dia 14, completaram-se seis meses desde o crime.


Nessa data, a revista norte-americana Times publicou artigo sobre o tema e trouxe fortes falas de Marinete da Silva, advogada e mãe de Marielle. “Minha filha era uma política em ascensão no Brasil. Seis meses depois do assassinato dela, porque os assassinos ainda estão livres?”. E sua indignação vem se tornando ainda maior por que, segundo ela, nessa época eleitoral muitos candidatos de direita e de esquerda se apresentam como grandes amigos da sua filha, em tentativa de arrecadar simpatia eleitoral.


A morte da vereadora do Psol e do motorista que a acompanhava ainda não foi solucionada pela polícia. Apesar disso, há indícios de que políticos do Rio de Janeiro e milicianos estejam envolvidos no crime, de acordo com o MPF e com a Polícia Civil. Cinco suspeitos estão presos, mas a participação de cada um ainda é indeterminada. Segundo informações divulgadas pela Folha de São Paulo, um delator, de identidade não divulgada, afirma ter presenciado conversa entre o ex-PM Orlando Curicica e o vereado carioca Marcelo Siciliano, do PHS, em junho de 2017, onde o assassinato da vereadora teria sido encomendado. Marcelo nega as acusações.


O assassinato ocorreu em meio a intervenção federal na segurança pública do estado do Rio, inclusive o apoio dos morados aos militares na cidade vem caindo nos últimos dez meses. Assim, na prática, a investigação está sob responsabilidade do governo Temer. Polícia Civil e Militar respondem diretamente aos interventores. O general Walter Braga Neto, prometeu em entrevista ao jornal "O Globo" desvendar o crime até o fim do decreto de intervenção em 31 de dezembro.


O caso também ficou marcado, pela relativização da violência sofrida pela vereadora e pela divulgação de notícias falsas nas redes sociais a respeito de sua pessoa. Que se mantem presentes até hoje e dividem espaço que dividem espaço com as incertezas de parentes e amigos da parlamentar, que ainda se perguntam (assim como nós) "quem matou Marielle Franco?".


E por que essa pergunta ainda tem peso? Porque se trata de um crime político em um contexto onde o Brasil vive, já a algum tempo, um retrocesso democrático preocupante. Segundo Breno Bringel, sociólogo e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, em texto intitulado “Marielle Franco y el futuro de Brasil: esperanza o barbarie”: a visibilidade pública de Marielle estava em ascensão e isso aborreceu os poderes instituídos e paralelos. Ela foi uma das vozes mais ativas na denúncia da intervenção militar federal na cidade, instituída em meados de fevereiro. No final desse mesmo mês, Marielle havia sido indicada como relatora da comissão criada na Câmara Municipal do Rio de Janeiro para acompanhar a intervenção federal e avaliar seus resultados.


Dias antes de ser morta, ela também já havia denunciado o desempenho da polícia militar na Favela do Acari e o os assassinatos de defensores dos direitos humanos. A execução de Marielle tem um enorme simbolismo pelo que ela enfrentou, representou e visibilizou. E também por causa da posição política que ocupava, geralmente negada às mulheres jovens, às mulheres negras, às populações pobres e periféricas e às feministas.


Marielle foi mãe muito jovem, o que lhe trouxe consciência da necessidade de lutar pelos direitos das mulheres, principalmente mulheres negras da favela. Pelas dificuldades enfrentadas ao longo de sua formação educacional, ela lutava pela educação pública de qualidade e pela democratização da universidade. A violência nas periferias, marcada por tiroteios entre polícia e traficantes, a levou à uma defesa e incansável luta pelos direitos humanos, incluindo o mais básico deles: o direito de ir e vir e o direito de existir, diariamente violados no Rio e marcado por indicadores de classe, raça, gênero e orientação sexual.


Marielle também atuou junto as greves e lutas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), onde funcionários ficaram meses sem receber os salários e sofrem até hoje as consequências da política irresponsável do Estado que coloca a educação e o desenvolvimento científico e tecnológico para escanteio. Ela apoiou as demandas por mobilidade urbana e por creches. Lutou para tornar visível o lugar das mulheres negras em uma sociedade racista, além de viver e contribuir para o movimento feminista e LGBT no Rio de Janeiro nos últimos anos.


O assassinato de Marielle ocorreu e reverbera em um, ainda, momento onde o Brasil, e vários países do mundo, passam por uma profunda polarização política. Tal fato, acaba por simplificar a realidade social, esconde os verdadeiros e urgentes problemas e restringe as possibilidades de abertura de novas forças políticas transformadoras. Assim, a realidade social fica atrelada a duas únicas práticas, e deixa de fora aqueles que não se identificam com dinâmicas polarizadas. Estas, por sua vez, ocorrem entre forças sistêmicas, que não apontam para uma ruptura do sistema degradado em que vivemos.


No Brasil, segundo Bringel, o direito, apesar de longe de ser uniforme, foi unificado em anti-petismo e no discurso contra a corrupção até que o impeachment da presidente Dilma Rousseff fosse alcançado. O golpe foi consumado e a polarização foi bem delineada. Entre seus resultados: repressão, invisibilização e infantilização das forças democratizantes e das possibilidades de mudança que surgiu no país nos últimos anos. Com a esquerda fragmentada e sem grandes agendas unificadoras para além do "Fora Temer", o governo ilegítimo e impopular avançou com uma agenda de retirada de direitos sociais e trabalhistas, a partir de um conjunto de políticas de privatização, cortes e austeridade. As balas que mataram Marielle vêm da promiscuidade existente entre a polícia, as milícias de poderes paralelos e o Estado. O Brasil hoje não é nada como um regime democrático.


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