Dias Gomes
Violência policial e as origens do movimento LGBT+
Artigo de Opinião

Marsha e Slyvia na primeira parada do orgulho. Foto: reprodução
Nós pessoas LGBT+ desconhecemos os primeiros ícones, pessoas que lutaram contra o preconceito de sexualidade e identidade gênero quando ninguém acreditava que isso era algo possível. O movimento por direitos civis das pessoas negras nos EUA, mostraram para o mundo pessoas como Angela Davis, Malcon X e Martin Luther King Jr. e várias outras pessoas extraordinárias que ajudaram a tornar o mundo menos pior e por consequência influenciaram até mesmo a cultura pop americana que foi exportada ao resto do mundo. Mas e os ícones LGBT+? Como tudo começou?
O ano era 1969, no Brasil o AI-5 e os anos de chumbo já estavam em vigor. Os EUA tinham acabado de passar pela grande onda de luta por direitos civis, Martin Luther King Jr. já estava morto e estavam a pouco menos de um mês do primeiro pouso do homem na lua e sua marcante frase “a small step for a man, but a giant leap for the mankind” (um pequeno passo para um homem, um salto gigante para humanidade). Existia um bar em Nova York, localizado no bairro Greenwich Village que era controlado pela mafia, ali era frequentado por todos os tipos de pessoas marginalizadas pela sua sexualidade, expressão de gênero e por serem consideradas pessoas degeneradas, o bar era alvo de constantes batidas policiais, sempre violentas e extremamente abusivas.
A polícia chegava, as luzes eram acesas. Frequentadores do bar eram enfileirados, revistados. Se a pessoa estivesse sem identificação ou se fosse considerada um homem em roupas femininas ela era presa assim como uma pessoa considerada mulher que estivesse com menos de três peças de roupas. Mas, um dia, Marsha P. Johnson (uma mulher transexual, bissexual e drag queen) atirou a primeira pedra contra a polícia, Sylvia Riviera (latina e também mulher trans, bissexual e drag) jogou a primeira garrafa e a onda de rebeliões deu início. Essa onda durou uma semana, a polícia recuou e a partir dali tudo mudou. No ano seguinte, houve a primeira parada do orgulho, infelizmente não algo com uma sigla inclusiva como LGBT+, porém com o tempo muito mudou. As pessoas não tem ideia de que o movimento começou por violência policial, não por uma questão de casamento igualitário, quem consegue viver o suficiente para se casar na maior parte das vezes não são pessoas trans.
O que dói ao escrever esse texto é pensar que essa situação poderia acontecer hoje em vários lugares. Enquanto a aurora do movimento tinha início com muita luta, no Brasil, pouco tempo depois, já nos anos 70, houve uma operação de extermínio de travestis e de outras pessoas LGBT+ chamada Operação Tarântula. Mas as nossas mortes não pararam na ditadura, o holocausto LGBT+ no Brasil não teve início com os anos de chumbo mas foi absurdamente potencializado pela estrutura institucional que nos mata até os dias de hoje. O holocausto da população LGBT+ é real, mas velado. Somos o país que mais mata cada uma dessas pessoas, temos maiores índices de suicídio, homicídio e agressão. Nós trans que temos empregos ou acesso a algo básico como educação superior e que não sofreram com a evasão escolar nos ensinos fundamental e médio, somos privilegiadas. E somos poucas pessoas, vi poucos rapazes e poucas moças trans na universidade, só uma pessoa não binária e essa pelo que sei, essa pessoa, imigrou pros EUA onde ganha a vida limpando privadas e que não concluiu o curso superior.
Até quando vamos ser o grupo minoritário culpado pelos problemas do mundo como a “destruição” da “família tradicional”? Até quando eu vou estar viva para emitir opiniões como essa?