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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Anarquia jornalística

Crítica

Considerado um clássico contracultura, período em que jovens contestavam os valores da sociedade burguesa, o jornalista Hunter Thompson (1937-2005) lançou Medo e Delírio em Las Vegas: uma viagem ao coração da América, em 1972, e fixou seu nome no rol dos grandes da imprensa setentista. A obra, narrada em primeira pessoa e constituída por um inconfundível estilo, modificou as regras do texto jornalístico, pois Hunter acreditava que o jornalista, para escrever uma boa história, precisava atuar e protagonizar os fatos, e não meramente contá-los com distanciamento, em linguagem referencial, como é pregado nos caducos manuais de redação.


Bem, você precisa ter em mente que Thompson era um completo porra-louca e não pensava duas vezes antes de desafiar o status quo vigente na sociedade norte-americana no contexto da Guerra do Vietnã (1955-1975), conflito que levara milhares de jovens à morte na Ásia e engordara os cofres da indústria armamentista. Na infância, o escritor enfrentou problemas com a polícia, que podem ser conferidos na autobiografia Reino do Medo: segredos abomináveis de um filho desventurado nos dias finais do século americano (2007). Sua verdadeira obra-prima não são seus textos diferenciados. Ao contrário do pessoal do New Journalism, escola que antecedeu o Jornalismo Gonzo, Hunter foi atrás do sonho americano, o que Tom Wolfe (1930-2018), papa do jornalismo literário na década de 1960, teria deixado de lado com seu indefectível terno branco. Essa é a diferença entre ambos.


Em geral, a obra de Thompson é repleta de fugas em alta velocidade, sarcasmo desenfreado e metáforas tão alucinadas quanto a final da Libertadores de 2012, quando o Corinthians batera o Boca Juniors, no Pacaembu. O jornalista mudou a cara da escrita, embora seu comportamento nada usual tenha gerado descontentamento na chefia nos lugares em que trabalhou. Em 1972, o jornal New York Times disse que o estilo literário do escritor era “uma prosa enlouquecida, corrosiva e poética, que começa onde Um sonho americano (1965), de Norman Mailer, termina e explora o que Tom Wolfe deixou de fora”, assegura o The New York Times.


Pois é... Maluco o cara, não? Agora, imagine alugar um conversível que anda mais rápido que o vento e ter como destino Las Vegas, paraíso da jogatina e coração da cultura estadunidense. Imagine rechear o porta-malas do veículo com as mais diversas substâncias. E, agora, imagine ter como advogado um samoano nada confiável. Aliás, o fato de Thompson levar consigo o advogado é a premissa do que os dois tinham intenção de fazer na terra dos cassinos. Só que é ainda mais do que isto: é uma reafirmação de tudo o que permeava o universo do Jornalismo Gonzo.


Nobre leitor, essa é a história de Medo e Delírio em Las Vegas, obra que colocou Hunter Thompson como um dos grandes retratistas dos ideais libertários que sacudiram o comportamento dos estadunidenses, na década de 1960, tendo como trilha sonora a música o rock psicodélico dos californianos do Jefferson Airplane (1965-1972) e The Doors (1965-1972). Lê-lo pode ser uma luz no final do túnel para muitos profissionais da imprensa que insistem em seguir um modelo engessado de escrita, bem como um alento nestes tempos de negras tormentas.


Por fim, é necessário destacar que o livro foi publicado originalmente em artigos na revista Rolling Stone. Medo e Delírio em Las Vegas chegou ao cinema em 1998, com o ator estadunidense Johnny Deep, no papel do alter-ego Raoul Duke, e com o porto riquenho Benicio Del Toro, como o advogado esquisitão Dr Gonzo.


Sem mais delongas, confira um trecho da obra:


"Estávamos em algum lugar perto de Barstow, à beira do deserto, quando as drogas começaram a fazer efeito. Lembro que falei algo como "estou meio tonto; acho melhor você dirigir..." E repente fomos cercados por um rugido terrível , e o céu se encheu de algo que pareciam morcegos imensos , descendo, guinhando e mergulhando ao redor do carro, que avançava até Las Vegas a uns 160 quilômetros por hora, com a capota abaixada. E uma voz gritava: "Jesus Santíssimo! Que diabo são esses bichos?"


Foda, né?

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