- Rosângela Aguiar
Escola sem Partido: a Lei da Mordaça e do Obscurantismo? Ou para coibir a doutrinação em sala de aul
Política Institucional
A proposta tramita no Congresso desde 2014. A consulta pública ainda está aberta na Câmara dos Deputados. Educadores veem com reservas e críticas o projeto de lei

Deputado Flavinho (PSC/SP) defende que a PL 7180/14 serve para que não ocorra "abuso da liberdade de ensinar".
Com informações da Rádio Câmara
O que é ensinar? Segundo o Dicionário Escolar da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras (2008), ensinar significa indicar o rumo, orientar, doutrinar, educar, instruir por meio de experiências, indicar, mostrar. E o que pretende o Projeto de Lei (PL) 7180/14 que institui o “Programa Escola Sem Partido” e que está em tramitação no Congresso Nacional? De acordo com os defensores do projeto como o senador Magno Malta (PR/ES) e o relator da Comissão Especial da Câmara, deputado Flavinho (PSC/SP), a lei será contra o “abuso da liberdade de ensinar”. E educadores e parlamentares contrários ao projeto questionam a interferência na construção do conhecimento e como identificar a chamada “doutrinação ideológica”. Nos sites do Senado e da Câmara dos Deputados consultas públicas sobre o projeto de lei mostram que o mesmo não é unanimidade na opinião da população.
Na consulta pública sobre o PL 193/2016 do senador Magno Malta (PR/ES), que já está encerrada no site do Senado Federal, 199 mil 873 pessoas disseram sim à proposta, porém 210 mil 819 disseram não. Já no site da Câmara dos Deputados a consulta pública sobre o PL 7180/2014 proposta pelo deputado Erivelton Santana (PSC/BA) ainda está aberta. E a votação está apertada: 51% (337 mil 699) a favor do projeto e 49% (318 mil 519) contra. O PL 7180/2014 pode ser votado esta semana na comissão especial que analisa a proposta na Câmara dos Deputados. E o relatório preliminar desta comissão deve ser apresentado até o início de maio, segundo previsão do relator, deputado Flavinho (PSC/SP).
O que diz o projeto?
O PL 7180/2014 do deputado federal Erivelton Santna (PSC/BA), e os outros que foram apensados a ele, altera o art. 3º da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, e inclui entre os princípios do ensino o “respeito às convicções do aluno, de seus pais ou responsáveis, dando precedência aos valores de ordem familiar sobre a educação escolar nos aspectos relacionados à educação moral, sexual e religiosa”.

Mas o que isto significa? A pedagoga, psicopedagoga, jornalista e professora do ensino fundamental na Rede Municipal de Ensino de Goiânia, Tetê Ribeiro (imagem ao lado), vê com muitas reservas o projeto e entende que desmerece o processo de ensino e aprendizagem e da exposição de ideais, “porque cada um tem uma forma de pensar a sua própria realidade, isto inibe o debate de ideias onde o professor é o mediador”, afirma a professora.
“Quando você não debate ideias, de certa forma, você fica com aquele pensamento enraizado de senso comum. E quando você aprende através do debate de ideias, a ouvir o outro, que existem histórias diferentes”, explica Tetê Ribeiro. Já a também professora de ensino fundamental das redes pública municipal e privada de Goiânia, Maria Eterna Mendonça, concorda com o projeto Escola sem Partido por conta de outro projeto, o de militarização das escolas públicas, em especial. “Estão querendo transformar todas as escolas em militar e isto tira de nós a liberdade para questionar, a reflexão e coibir que o aluno seja um ser pensante”, justifica Maria Eterna Mendonça.
“Ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção”, explica o educador, pedagogo e filósofo Paulo Freire no livro “Pedagogia da Autonomia”. Na visão de Freire (1996), o sentido de ensinar é fazer com que o ser humano veja novos padrões de vida, novas formas de perceber, ser, pensar e agir, e que vão auxiliar no uso do conhecimento, na resolução de problemas, construções de novos significados e pensamentos. Esta visão do ensino por parte de Paulo Freire é criticada pelos defensores do Programa Escola Sem Partido que o veem como um doutrinador de ideias “de esquerda e comunista”, quando, na verdade, prega, assim como Maria Montessori, médica, pedagoga e educadora italiana que a educação se estende além dos limites do acúmulo de informações. Maria Montessori foi a criadora do Método Montessoriano no início do Século XX, utilizado até hoje em muitas escolas mundo afora exatamente por ter como defender o potencial criativo desde a primeira infância, associando-o à vontade de aprender e a curiosidade que leva a este aprendizado.
No site www.programaescolasempartido.org a defesa do projeto é feita com base no fato de ser uma “lei contra o abuso da liberdade de ensinar”. O texto na capa do site explica que “basta informar e educar os alunos sobre o direito que eles têm de não ser doutrinados por seus professores; basta informar e educar os professores sobre os limites éticos e jurídicos da sua liberdade de ensinar”. E o que seria esta liberdade de ensinar? A pedagoga e professora do ensino fundamental, Tetê Ribeiro, vê isto como um ponto chave a ser mais bem debatido no projeto. “Como professora eu terei a liberdade de incentivar a pesquisa independente de crença ou não, da visão de mundo dos pais?”, questiona.
Para exemplificar esta questão, Tetê Ribeiro cita uma situação enfrentada em sala de aula com crianças de 6 e 7 anos. “Tia, minha mãe falou que Maria não existe porque Maria é uma imagem e a gente não pode adorar imagem’. A família deste aluno é evangélica. E o aluno contrário é católico, que tem a tradição de ver Maria como uma santa, que pode interferir por ele. E aí é uma sinuca, porque como que o professor vai poder explicar?”, argumenta. Para ela em uma situação como esta em sala de aula o professor pode aproveitar para falar de tolerância e respeito a crença do outro, mas ao mesmo tempo pode colocar o profissional em uma situação complicada que levam pais à escola por entenderem que a criança está sendo “doutrinada” para esta ou aquela religião quando na verdade está se falando de liberdade de expressão.
Em alguns estados e municípios os poderes legislativos já aprovaram um projeto de Escola sem Partido com base na PL 7180/2016 e em alguns locais o Ministério Público Estadual tem considerado a aprovação da lei inconstitucional por se tratar de competência da União. Este é o caso, por exemplo, de Belo Horizonte e a quarta-feira, dia 4, durante uma audiência pública na Câmara dos Deputados, o vereador Fernando Borja protestou contra a notificação do Ministério Público considerando o projeto inconstitucional. Para ele o Judiciário quer intervir nos outros poderes.
Já a professora carioca, Janeth de Souza e Silva, do Instituto de Educação Rangel Pestana, em Nova Iguaçu, Rio de Janeiro, levantou outra questão. “A quem interessa a aprovação de um projeto que tem como único objetivo manter um pensamento único nos estabelecimentos de ensino?”, questionou. Para a professora carioca a luta deveria ser para garantir uma escola pública democrática e de qualidade e não perseguir politicamente professores. "Eu acho que a pluralidade, ela sim, é fantástica. Ela que engrandece, ela que faz e nos mostra as diferenças, porque o ser humano, ele não é único, ele é diverso, e cada um vai procurar o seu caminho. Na escola está provado isso. A gente tem várias pessoas que passaram por lá e elas não seguiram um único caminho. Tem várias tendências lá", argumentou Janeth de Souza e Silva durante a audiência pública.
A engenheira Cristina de Souza e Sá, mãe de uma adolescente que sempre estudou em colégios particulares, demonstra preocupação com o projeto Escola sem Partido. “Pelo o que li e ouvi sobre a proposta, ela, na verdade, tira dos pais a liberdade de escolher se quer que o filho estude a partir de um método ou outro de ensino”, questiona. Segundo a engenheira, a escolha da escola de ensino fundamental para a filha passou pelos diferentes métodos de ensino e ela escolheu uma que não fosse religiosa e seguisse o método do sócio construtivismo. “Eu sei que no ensino público esta escolha é mais difícil, mas eu vejo este projeto como o cerceador da liberdade de pensar, questionar e aprender. Fico preocupada porque ainda tenho filhos em idade escolar”, completou, preocupada.
A comissão especial deve realizar mais duas audiências públicas antes da apresentação do relatório no plenário da Câmara e a previsão do deputado federal Flavinho, relator do projeto, é que isto aconteça no início de maio. O debate ainda está aberto e a população pode emitir sua opinião também no site da consulta pública da Câmara dos Deputados.