Marcus Vinícius Beck
Uns e outros

André Breton, autor do Manifesto do Surrealismo (1924).
Uns dizem que é impeachment, outros que é golpe. Uns dizem que é repressão, outros que é um simples confronto. Uns agarram às mãos dos barões e os veneram com palavras solenes, outros acusam o papel sujo e classicista dos capitães de areia. Uns dizem que o presida eleito não passa de um fascista, outros acham-no um defensor solene do Estado Democrático de Direito.
Uns cegam da forma mais desumana os fatos que valiam milhões de editorais em qualquer jornal, em qualquer lugar do mundo – vide o progressista Liberation, da França. Outros, no ápice do cinismo, despacham memorandos fajutos pela imprensa: “Vamos apurar o caso”. Uns repercutem os editoriais do Le Monde, Le Figaro e New York Times, outros dizem que a Folha de São Paulo, na verdade, deveria se chamar “Foice de São Paulo”.
Uns clamam pela diminuição de impostos, exatamente como o Chicago Boy Paulo Guedes, defensor do livre mercado que deixaria o papai da social-democracia John Maynard Keynes (1883-1943) entristecido, outros já sentem a melodia melancólica das vísceras de suas barrigas que pedem por mais um pedaço de pão. Uns se aposentam aos 50, outros nem chegarão a conhecer uma previdência digna de seus anos dedicados à labuta.
Uns e outros não se entendem neste enredo fantasmagórico que me evoca os filmes do surrealista espanhol Luís Buñuel (1900-1983), que fora colega do pintor esquisitão Salvador Dalí (1904-1989) – quem André Breton (1896-1966), autor do Manifesto do Surrealismo (1924), disse que só queria dinheiro, que apoiou o franquismo na década de 30, na Espanha, mas era, temos de reconhecer, um excelente artista… mas, foda-se, né?
Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” dos homens de farda. Uns rasgam seus títulos de eleitores e enrolam um fuminho do capeta nele, enquanto uns afirmam, em suas verborragias descaradas, que o Brasil sairá da “escuridão” e voltará a crescer 10% ao ano, todavia, para tal, é necessário implementar políticas neoliberais.
Uns querem justiça, igualdade, liberdade, fraternidade, outros querem mais do mesmo, digo, os chicago boys que colocaram a economia da Europa em ruínas, cuja dama-de-ferro, a inglesa Margaret Thatcher (1925-2013), sofrera sonora vaia no dia de sua morte, em 8 de abril de 2013.
Uns e outros não se bicam, no que convoco nosso maior romancista, Machado de Assis (1839-1908), neste maniqueísmo que se tornou o cenário político brasileiro. “O país real é bom, revela os melhores instintos; mas o país oficial, esse é caricato e burlesco.”
Uns levam porrada com cassetetes, outros com bala de borracha e spray de pimenta, tudo depende do “humor” da galera fardada. Outros, para parafrasear Buñuel, em Discreto charme da burguesia (1972), desfrutaram de champanhe no banquete dos donos do poder.
Uns aderem ao lead da imprensa oligarca e conservadora, outros ignoraram os verbos e adjetivos – um crime para o exercício do bom jornalismo – e não se conformam com os rumos do País. Uns fazem planos, com visões baseadas na esquizofrenia da bolsa de valores, outros pensam que o quê lhes restam é um bom porre no boteco da esquina.
Uns aplaudem o jornalismo de ocasião, com apuração atrelada ao Poder, repletos de textos simplistas e superficiais, outros optam pelo bom jornalismo, que segue os preceitos democráticos, como ouvir os dois lados, checar, humanizar e redigir com responsabilidade e compromisso à práxis jornalística.
Uns, literalmente, querem enfraquecer o Mercosul, outros fortalecê-lo.