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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Desaparece um dos últimos gênios

Cinema

Diretor morreu em Roma, capital italiana, na manhã de ontem em decorrência de uma doença que sofria há anos. Obra do artista é marcada por forte carga erótica e política



“Deveria ter chamado meu agente ou fazer meu advogado vir ao set porque não se pode forçar alguém a fazer algo que não está no roteiro, mas, naquela época, eu não sabia disso” - Maria Schneider, sobre “cena da manteiga” do O Último Tango em Paris



Artístico e educador. Essas duas palavras definem o cinema produzido pelo italiano Bernardo Bertolucci (1941-2018). Autor de obras-primas, Bertolucci sacramentou seu nome como um dos grandes da sétima arte, fazendo filmes com forte carga erótica e política. Seus personagens viviam em constante estado de conflitos psicológicos e existenciais. Sempre autoral, ganhou popularidade a partir do escândalo sexual em uma cena entre a atriz francesa Maria Schneider (1952-2011) e o ator norte-americano Marlon Brando (1924-2004), a quem ela acusou de estupro durante simulação de sexo anal no longa-metragem Último Tango em Paris (1973).


Considerado um dos mestres do cinema, Bertolucci morreu ontem em Roma, no bairro Monteverde Vecchio, cidade em que morava. Nas últimas décadas, após a estreia de Assédio (1998), o diretor italiano lançou apenas dois longas-metragens. Em Sonhadores, Bertolucci filmou uma visão essencialmente autoral sobre os eventos de maio de 1968 (insurreição estudantil contra ao então presidente da França e general ex-combatente na Segunda Guerra Mundial, Charles De Gaulle). No início desta década, rodou sua última obra, Eu e Você (2012), cujo roteiro é baseado num romance do escritor italiano Niccolò Ammaniti.


Amigo do ensaísta, poeta e cineasta Pier Paolo Pasolini (1922-1975), Bertolucci foi um defensor contumaz do Partido Comunista Italiano. Em 2007, recebeu o prêmio Leão de Ouro no Festival de Veneza pelo conjunto de sua obra. Também foi louvado com a Palma de Ouro do festival de Cannes, um dos mais importantes do mundo e tido como referência para o ‘cinema cabeça’. Em mais de meio século de carreira, ele dirigiu cerca de 20 filmes, entre produções colossais e minúsculas, de baixo orçamento, e obras experimentais e comerciais, deixando um grandioso legado tanto para o cinema italiano quanto para o mundial.


Além disso, o italiano chegou a ganhar o Prêmio Viareggio pelo livro de poemas Em Busca do Mistério. Mas pouco tempo depois esse fato acabou sendo ofuscado pelo lançamento do filme O Último Tango em Paris, obra que alcançou o status de arte e escandalizou o mundo com a “cena da manteiga”, uma das mais icônicas da sétima arte. Para você ter uma ideia, Bertolucci passou as últimas décadas tendo de conviver com o controverso episódio. “Queria sua reação como menina, não como atriz. Não queria que Maria interpretasse sua humilhação e sua raiva, queria que sentisse. Os gritos..”, confessou.


Bertolucci lembrou ainda que o propósito de fazer Schneider participar da cena tinha o objetivo de provocar um sentimento raivoso nela. “Acredito que odiou Marlon e a mim porque não contamos a ela”, afirmou o diretor de filmes como 1900 e Os Sonhadores. A ideia ocorreu ao cineasta e ao ator na manhã anterior à filmagem. Na mesma entrevista, o italiano esclareceu que, apesar de sentir-se “culpado” e reconhecer os problemas que acarretou a Schneider, ele não se arrependia de fato da forma com que dirigiu tal cena que até hoje é reverenciada e odiada por crítica e cinéfilos. “Para conseguir algo é preciso ser completamente livre”, concluiu Bertolucci.


Em uma longa entrevista que concedeu ao jornal inglês Daily Mail no ano de 2007, Schneider contou em detalhes o momento de seu estupro e como foi a cena (que, ao contrário do muitos pensam, não teve sexo anal). “Deveria ter chamado meu agente ou fazer meu advogado vir ao set porque não se pode forçar alguém a fazer algo que não está no roteiro, mas, naquela época, eu não sabia disso. Marlon me disse: ‘Maria, não se preocupe, é só um filme’, mas durante a cena, embora o que Marlon fizesse não fosse real [não houve penetração], eu chorava de verdade. Senti-me humilhada e, para ser honesta, um pouco violentada por Marlon e Bertolucci. Pelo menos foi só uma tomada”.


Descobridor de atrizes


Em 2013, durante entrevista um jornal de Los Angeles, Bernardo Bertolucci disse que um dos seus maiores legados enquanto diretor de cinema era o talento para descobrir jovens atrizes. "Mas, às vezes, me diverte pensar que as pessoas se lembrarão mais de mim como um descobridor de jovens atrizes do que como cineasta. Eu descobri tantas!", falou ele, na ocasião. Bertolucci foi responsável por levar ao estrelato as atrizes Dominique Sanda, dirigida por ele no filme O conformista (1970), Maria Schneider no clássico O Último Tango em Paris (1972), Liv Tyler em Beleza Roubada (1996) e Eva Green, que atuou em seu primeiro longa metragem justamente em Sonhadores.


Eva Green lamentou a morte do cineasta em suas redes sociais. “Estamos tão levemente aqui. É no amor que somos feitos. No amor, nós desaparecemos”, escreveu ela, citando uma música do cantor e poeta canadense Leonard Cohen (1934-2016). O escritor Agnaldo Silva, responsável por várias telenovelas de sucesso na Rede Globo, disse que iria iniciar uma maratona. “Rever as seis horas de "Novecento", o filme do Mestre Bernardo Bertolucci, que morreu ontem. Nele, Robert di Niro e Gerard Depardieu no auge de sua talentosa juventude (o filme é de 1976). Inesquecível”, escreveu.


O Jornal Metamorfose separou dois filmes fundamentais para entender a obra do diretor italiano. Confira:


O Último Tango em Paris (1973)

Cena controversa do filme O Último Tango em Paris. Foto: Reprodução


Estamos careca de saber que muita da fame de Bernardo Bertolucci vem desse controverso filme. Ou, para ser mais exato, daquela cena em que uma manteiga é utilizada como lubrificante para simular sexo anal. De forte teor erótico e psicológico, o drama é tido até hoje como um dos mais polêmicos da história da sétima arte (e é considerado uma verdadeira obra-primeira). As estrelas são Marlon Brando, já bastante famoso por conta da atuação no clássico O Poderoso Chefão (1971), e a jovem Maria Schneider. Brando interpreta Paul, um americano de meia-idade que mora em Paris e tenta se recuperar da morte de sua esposa. Na capital, envolve-se com Jeanine, papel de Schneider. Bertolucci confessou que a cena da manteiga não estava no roteiro, admitindo que a atriz que sabia que aconteceria na gravação. Anos depois, a atriz disse que sentiu-se enojada.


Sonhadores (2003)


Eva Green e Michael Pitt em cena do filme Sonhadores. Foto: Reprodução

Nas últimas décadas, o diretor italiano dirigiu pouquíssimos filmes. Para ser mais preciso, foram apenas dois longas de ficção, sendo Sonhadores (quase um legado do cineasta). Bertolucci volta ao seu próprio passado, criando uma história que se passa em pleno derrochar da insurreição que ficara conhecida como Maio de 68. Contracultura e Revolução Sexual recheiam o roteiro. Um filmaço! Primeiro filme da atriz francesa Eva Green, o italiano viu um público mais jovem querendo saber mais sobre sua obra.

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