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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

O mestre do humor

Charge

Nascido na Tunísia, George Wolinski foi morar na França na década de 1960. É considerado um dos maiores nomes da insurreição conhecida como Maio de 68

George Wolinski na década de 1970. Foto: Reprodução

Sempre que pensamos em humor inteligente nos vem à cabeça nomes como Laerte, Ziraldo, Angeli e Henfil. De fato são todos sensacionais. Mas eles são meros fãs quando se trata do cartunista francês Georges Wolinski (1934-2015), morto em 2015 quando radicais islâmicos invadiram a redação do jornal satírico Charlie Hebdo e mataram centenas de pessoas. Ser mestre de gente do calibre dessa galera é responsabilidade que pouquíssimos são capazes de deter. E Wolinski dá conta.


Nascido na Tunísia em 1934, o cartunista mudou-se para a França ainda criança. Na década de 1960, período em que o mundo estava mergulhado em intensas revoltas sociais, Wolinski começou a desenhar para o jornal Hara-Kiri e fundou o diário L’Enragé. Contribuiu também para grandes publicações francesas, como Libération, Nouvel Observateur e L’Humanité. Wolinski é considerado uma das figuras mais importantes do chamado Maio de 68, insurreição estudantil que pedia reformas educacionais e criticava o governo do general Charles De Gaulle (1890-1970), ex-combatente na Segunda Guerra Mundial (1939-1945).


Após o fechamento do Hara-Kiri, os jornalistas revolucionários tiveram a sacada de criar um novo jornal, em 1970: nascia o Charlie Hebdo. Temas políticos, religiosos e sexuais sempre estiveram presentes nas páginas da publicação, disputando espaço com as tirinhas incorretas e imperfeitas (propositalmente, é claro) de Wolinski. “A direita tem muito compromisso com a ordem”, dizia o cartunista. Como era previsto, o pensamento criativo, a ousadia e a falta de pudor atravessaram o atlântico e chegaram ao Brasil como uma bomba sendo jogada por militares ensandecidos contra qualquer tipo de pensamento divergente.


Política também era um dos assuntos favoritos do cartunista. FOTO: REPRODUÇÃO


Ora, creio que nem precisa lembrar que esse estilo irreverente foi responsável por influenciar um projeto que virara patrimônio do humor e jornalismo brasileiro: sim, falo do jornal Pasquim - isso, aquele mesmo em que galera fazia reunião de pauta no bar, conforme é relatado no documentário A vida extraordinária de Tarso de Castro (2016). Idealizado por figuras do nível de Millôr Fernandes (1923-2012), Jaguar (1932), Tarso de Castro (1941-1991) e Sérgio Cabral (1937), o semanário começou como um jornal humilde, de bairro, e logo acabou virando sucesso editorial que incomodou - pra caralho! - os militares que estavam no poder na década de 1970. Na época, criticar os milicos era assinar a sentença para ficar no xilindró.


Em voga nos Estados Unidos desde a década de 1950 com a Geração Beat, o cenário da contracultura trouxe temas como sexo, drogas, feminismo e comportamento para as páginas do Pasquim, fazendo com que o jornal ganhasse o rótulo de porta-voz das mudanças sociais pelas quais o Brasil passava no momento. Em 1969, a atriz carioca Leila Diniz (1945-1972) concedeu uma entrevista (sem papas na língua) para o semanário que provocou reação típica de quem é atrasado comportamental e intelectualmente: o uso da censura. Sem zoeira, a Lei de Imprensa foi batizada, de maneira informal, com o nome da atriz.


Pasquim e Hebdo


Confesso que minha intenção nunca foi fazer com que esta matéria virasse uma espécie de ode ao Pasquim. A questão é que é praticamente impossível falar do jornal e não falar (ainda que brevemente) sobre a transformação que os jornalistas fizeram em relação ao uso da língua portuguesa. Mas, porra, Ilustre leitor (a) digo que não há sentido nestes rabiscos se não usar uma palavra ‘pesada’... Sim, eles foram responsáveis por introduzir na imprensa expressões coloquiais e gírias.


O que é isso, seu jornalista de bosta? É que tanto o Charlie Hebdo quanto o Pasquim – com seus diferentes contextos sócio-políticos, é claro – deixaram grandes contribuições à arte provocante do pensamento crítico e da liberdade criativa (ainda que determinadas capas do jornal pegassem pesados). Infelizmente, os fundamentalistas religiosos levaram embora gente de alto calibre naquele ataque em Paris. Wolinski perdeu a vida ao lado dos também brilhantes cartunistas Charb (Stéphane Charbonnier), Cabu (Jean Cabut), Tignous (Bernard Verlhac) e outras oito pessoas na sede do jornal francês.


O mais impressionante é que, quando a redação do jornal foi alvo de incêndio criminoso em função das caricaturas publicadas sobre o profeta Maomé, a resposta veio tão rápida quanto um levante estudantil cujo objetivo é expressar descontentamento aos manda-chuvas, com os seguintes dizeres: “O amor é mais forte que o ódio”. Pois bem, é preciso ensinar que o questionamento é a primeira e a mais eficiente arma para transformações sociais.

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