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Se aproxima do fim o mais antigo bioma do planeta

Cerrado

Jornal Metamorfose começa uma série de reportagens sobre o desmatamento desenfreado do cerrado goiano, indo profundamente para encontrar a raiz do problema

Parque Nacional Da Chapada dos Veadeiros, Foto: Orue Brasileiro


O Cerrado é a maior savana do mundo e a mais rica em diversidade biológica, abrangendo total ou parcialmente 15 estados brasileiros. É também a principal fronteira agrícola brasileira, com o maior rebanho bovino do país e extensas monoculturas de soja, destinadas à exportação de grãos. Embora seja classificado como savana para atender aos critérios internacionais, este bioma possui ambientes variados que vão desde campos de gramíneas até matas tropicais. Bem mais da metade dos 2 milhões de km² originais do Cerrado já foram convertidos em pastagens plantadas e culturas anuais, e diversas espécies de animais e vegetais estão ameaçadas de extinção.


De todos os biomas hoje existentes no Planeta Terra, o Cerrado é o mais antigo, com surgimento estimado há 60 milhões de anos, porém, a opção pela introdução de gramíneas exóticas, principalmente o capim africano Braquiária, altera a estrutura do solo e impede o retorno de muitas espécies nativas, assim, há o risco de que o Cerrado se encontre em vias de extinção, por não existirem mais comunidades vegetais viáveis.


De fato, o Cerrado vem sofrendo continuamente excepcional perda de habitat, sendo esta sua principal causa de extinção de biodiversidade. Com 11.627 espécies de plantas nativas, 199 espécies de mamíferos, 837 espécies de aves, 1200 espécies de peixes, 180 de répteis e 150 de anfíbios até hoje conhecidas, faltam estudos para identificar e quantificar outras espécies do Cerrado.


Ainda, sua importância social é negligenciada, com etnias indígenas, quilombolas, ribeirinhos e várias outras populações tradicionais que vivem dos recursos proporcionados pelo Cerrado e detêm um conhecimento tradicional do uso de sua biodiversidade para alimentação, uso medicinal, recuperação de solos degradados e erosão, controle natural de pragas e muitas outras utilidades desconhecidas pelas populações urbanas. As populações tradicionais sofrem as consequências do desmatamento e do uso de pesticidas, e são expulsas de suas terras tanto pela ocupação do agronegócio quanto pela criação de unidades de conservação, já que sua presença resulta em ambientes muito mais conservados do que os ocupados por agricultura e pecuária modernas.


O Estado Brasileiro adotou uma política econômica de produção e exportação de commodities e, com práticas agrícolas baseadas em extensas monoculturas de grãos e pesado aporte de químicos, não consegue garantir a necessária proteção dos ambientes naturais. Com a atenção internacional voltada para a Amazônia, ao Cerrado, segundo maior bioma da América Latina, foi imposto o fardo de se tornar a maior área agrícola do país, sendo que a própria legislação brasileira impõe 80% para reserva legal na Amazônia e apenas 20% no Cerrado.


Estudo feito com base em imagens do sensor Moderate Resolution Imaging Spectroradiometer (Terra/MODIS), ainda em 2002, estimou que cerca de 55% do Cerrado já tinha sido desmatado e previu para 2030 o seu desaparecimento, caso o atual modelo fosse mantido. Outro estudo mais recente, que utiliza dados do sensor Operational Land Imager (OLI) Landsat, com ano base 2015, detectou apenas 30,9% do estado de Goiás ainda encontra-se recoberto com vegetação nativa, concentrada na região norte do estado.


Impacto nacional


Parque Nacional Da Chapada dos Veadeiros, Foto: Orue Brasileiro


O desmatamento no Cerrado afeta o balanço hídrico não só do próprio bioma como também da Amazônia. Em um estudo conduzido no Cerrado dos estados de Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, cuja área coberta por vegetação nativa era de 82% em 2003, foi detectado que, com a substituição de mais de um milhão de hectares de vegetação nativa por soja, entre 2003 e 2013, o balanço hídrico da região foi afetado, com diminuição das taxas de evapotranspiração que levam a potencial diminuição das chuvas e um período de seca mais demorado, não só para o Cerrado mas também para a Amazônia.


Uso antropogênico e mudanças na cobertura da terra enfraquecem o ciclo do carbono e afetam o clima global, com previsão de se tornarem vetores da mudança na estocagem de carbono da América do Sul.


O Governo Federal leva estradas e crédito para financiamento agrícola a territórios antes ocupados por Cerrado preservado e comunidades tradicionais, reafirmando sua presença como garantidor da rentabilidade do mercado de commodities e da exploração de recursos naturais, em nome do interesse nacional, mas subordinado à lógica das grandes corporações e dos mercados liberalizados.


A escolha por um modelo agrícola com alto aporte de agrotóxicos traz como consequência a contaminação dos aquíferos e rios, sendo que a exposição a estes químicos tem sido associada a malformações fetais e cânceres, que aumentam junto com o crescimento no uso dos produtos. Em Goiás no ano de 2015 foram consumidos 75.135.233 litros de agrotóxicos, sendo que 95,5% da área plantada, 5.830.192 hectares, os utilizaram. A contaminação por agrotóxicos no território do Cerrado afeta as nascentes das três maiores bacias hidrográficas da América do Sul: Amazônica/Tocantins, São Francisco e Prata.


Outra ameaça à integridade do bioma são projetos de lei em tramitação que tornam a compra de terras por estrangeiros menos restritiva, o que certamente trará fortes impactos ao Cerrado, com conversão de vegetação nativa em paisagens produtivas. A China, por exemplo, tem grande interesse na compra de terras no Cerrado, já demonstrado diversas vezes e aguarda apenas alteração na legislação.



Referências:

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