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  • Lays Vieira

Brasil corre risco de voltar para o Mapa da Fome

Sociedade


Com a MP nº 870/2019, publicada em 1 de janeiro, o novo governo, dentre várias outras coisas preocupantes, extinguiu o Consea. Mas, o que é e para que serve o Consea?

Foto: Reprodução


O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) era um órgão de assessoramento da Presidência da República, responsável pelo controle social na formulação, execução e monitoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional. O Consea tinha como intuito a democratização e conformação de uma agenda política entre agricultura, alimentação, nutrição, saúde, meio ambiente, sustentabilidade, justiça social e participação da sociedade civil.


Ainda no governo de Itamar Franco, no ano de 1993, o conselho foi criado, sob demanda tanto de movimentos sociais como da própria sociedade civil. Ele é considerado a primeira tentativa de elevar o debate sobre segurança alimentar e nutricional ligando as arenas políticas de vários setores e a participação para além da esfera institucional.


Devido a transitoriedade (fim da Ditadura e volta da democracia) do então governo e pela frágil inserção do tema na agenda política nacional, o conselho foi extinto em 1994. Porém, foi recriado em 2003, com a tarefa de impulsionar a elaboração participativa do Projeto de Lei Orgânica para a Segurança Alimentar e Nutricional, o que ocorreu em 2006, visando um novo paradigma na construção e governança de políticas públicas em segurança alimentar e nutricional.


Segundo o FBSSAN, Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, em carta aberta a população para a defesa da revogação da extinção, o Consea, era composto por um terço de representantes governamentais vindos de 20 Ministérios, e dois terços de cidadãs e cidadãos de distintas origens sociais, profissionais e regionais, atuando de forma voluntária em prol do Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA). Quanto a presidência do conselho, esta era exercida sempre por um/uma representante da sociedade civil. Tal dinâmica permitia maior liberdade e amplo debate nas suas formulações.


Como consequência, de 2006 para cá, houve a implementação de programas e ações de proteção social, de superação da pobreza e redução das desigualdades, de fomento à produção agrícola de base familiar e de acesso à alimentação. Houve também o avanço e o aprimoramento do Programa Nacional de Alimentação Escolar e sua interface com os programas de compras públicas de alimentos produzidos por agricultores familiares. Devido a essa atuação, o Consea foi reconhecido, em 2014, pelas Nações Unidas (ONU), como o responsável pela saída do Brasil do Mapa da Fome mundial.


Também deixa um legado de contribuições para toda a sociedade como: inclusão do Direito à Alimentação na Constituição Federal; aprovação da Lei Orgânica, da Política e do Plano Nacional de Soberania Alimentar e Nutricional; proposição do Programa de Aquisição de Alimentos da Agricultura Familiar (AF); elaboração do Plano Safra da AF; aperfeiçoamento da Lei de Alimentação Escolar, ao determinar que pelo menos 30% da compra de alimentos para as refeições seja oriundo da Agricultura Familiar; aprovação da Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo); etc.


Segundo a nutricionista Patrícia Jaime, doutora em saúde pública e professora da USP (Universidade de São Paulo), para o Jornal de USP e para o site Viomundo, o Consea fez a defesa do alimento como elemento central da vida, um direito social, um bem material e imaterial e parte do patrimônio cultural do povo e da nação brasileira; frente a setores que vêem o alimento apenas como mercadoria dotada de valor monetário, em uma economia nacional ancorada em commodities agropecuárias.


Segundo Patrícia, a MP 870 é preocupante pois nega os êxitos da experiência brasileira; compromete a continuidade e aprimoramento da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional; fragiliza a administração pública ao negar a participação social e sinaliza que no que se inicia, o exercício da cidadania parece só ter importância no momento do voto eleitoral. Algumas consequências podem ser a perda dos padrões alimentares tradicionais, o aumento do consumo de alimentos ultraprocessados, a obesidade e a exposição da população a alimentos contaminados por agrotóxicos. Para o FBSSAN, a MP 870 nega e revoga conquistas, quer apagar a história e silenciar as múltiplas vozes da sociedade nos mecanismos de controle social, como o Consea. Sem contar que, tais atitudes por parte do governo, já demonstram o tom que vem por ai na relação entre sociedade e Estado.


Sobre a MP 870 como um todo, na consulta pública sobre o tema, oferecida pelo site do Senado, de 250 votos populares, apurados até dia 13 de janeiro, 228 votos são contra a referida MP. O Partido Democrata Trabalhista (PDT) também entrou com pedido de ação direta de inconstitucionalidade para:


1) os artigos 23, XXIV; 24, XV; 31, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI e XXXVI; 32, XXVIII, XXIX, XXX; 37, VI e XXII; 38, VIII; 56, I, “ai”; e, por fim, 83, na íntegra, todos da MP nº 870/2019;


2) inconstitucionalidade parcial, para excluir a expressão “Ministério do Trabalho”, dos artigos 55, § 2º, e 57, I, todos da MP nº 870/2019;


3) conferir efeito repristinatório (reentrada em vigor de norma aparentemente revogada) aos artigos 21, XVII, 55 e 56, todos da Lei Federal nº 13.502/2017 e, em relação a eles, declarar a inconstitucionalidade parcial, sem redução de texto, do inciso VII do artigo 85 da MP nº 870/2019.

E requereu também concessão de medida liminar para suspender a eficácia dos artigos 23, XXIV; 31, XXXI, XXXII, XXXIII, XXXIV, XXXV, XXXVI e XXXVI; 37, VI e XXII. Entretanto, o Ministro Ricardo Lewandowski afirmou que “não se observa, no caso, a urgência necessária à excepcional apreciação, pela presidência desta Corte, da medida cautelar requerida.” (a integra da decisão pode ser consultada em: https://www.conjur.com.br/dl/toffoli-avalia-acao-suspensao-mp-870.pdf).

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