Marcus Vinícius Beck
“Sempre teve essa coisa de sair do lugar comum”
Entrevista - Larry Machado
Em conversa com Jornal Metamorfose, diretor goiano fala sobre Kris Bronze, curta-metragem exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes

“Esse negócio da cidade é isso, no filme tem vários pontos que acho massa de botar. Essa coisa toda faz com que algo seja importante de ser mostrado” - Larry Machado, cineasta
Marcus Vinícius Beck
Enviado especial a Tiradentes (MG)
O diretor de cinema goiano Larry Machado, sentado em uma cadeira na varanda do Centro Cultural Yves Alves, em Tiradentes, a 198 quilômetros de Belo Horizonte, capital de Minas Gerais, me esperava para a entrevista que faríamos sobre a sétima arte em Goiás em tempos onde a extrema-direita tomou os espaços de poder. Larry havia exibido na última segunda-feira (21) o curta-metragem Kris Bronze, no Cine-Praça, ao ar livre, no Centro Histórico do município mineiro.
Larry Machado recebeu diversos prêmios pelo curta-metragem Kris Bronze. Foto: Cecília Brito
Na conversa, o cineasta falou sobre o processo criativo de Kris Bronze e da escolha por ambientar um bairro pouco conhecido da capital goianiense. Também comentou como foi decisão de não contar com atores profissionais no curta-metragem. Disse ainda que o momento político pelo qual o País passa é complicado, e por isso é preciso resistir para mudar o cenário sócio-político brasileiro, que pode ser golpeado com o término das leis de incentivo à cultura - responsáveis por estimular a produção artística.
Com carreira consolidada na fotografia, Larry contou que trabalhou com a banda de rock goiana Carne Doce, famosa no cenário nacional, na direção do videoclipe da música Sertão Urbano, lançada em 2017. O diretor ainda fez a fotografia do curta Guará, de Fabrício Cordeiro e Luciano Evangelista, que foi exibido ontem, e de Vermelha, dirigido por Getúlio Ribeiro, longa-metragem que vai ser passado amanhã, às 22h, na competitiva Mostra Aurora.
Confira a primeira entrevista da série que o Jornal Metamorfose vai fazer ao longo dos próximos dias com diretores goianos que estão com filmes na Mostra de Cinema de Tiradentes.
Jornal Metamorfose - O curta-metragem Kris Bronze fala de uma coisa ampla dizendo pouco. Como surgiu a ideia de fazer o filme?
Interessante você falar isso, porque vem desse negócio de não querer ditar muito o discurso ali no filme, tentando enxergar as coisas e a sensibilidade que rola ali. O curta nasceu de outra ideia, outra coisa, mas era um roteiro de ficção e a personagem trabalharia com estética. Em um primeiro momento, pensei que ela poderia ser uma depiladora.
JM - Você já imaginava que não queria trabalhar com atores?
Sim, pois comecei a pesquisar as pessoas que trabalham com isso para participar do filme. Também já imaginava que a partir dessa pessoa que eu conhecesse tudo poderia mudar. Encontrei outra pessoa, mas acabou não dando certo. A segunda que conheci foi a Kelly, que encontrei no aplicativo Google Maps. Então, já tinha muita foto do espaço dela e tal, o que me chamou bastante atenção. Foi isso.
JM - Ela já fazia bronzeamento?
Já, inclusive era o forte dela.
JM - Por que rodar o filme numa região pouco conhecida de Goiânia?
Esse negócio da cidade é isso, no filme tem vários pontos que acho massa de botar. Essa coisa toda faz com que algo seja importante de ser mostrado. Além disso, tinham regiões que eu me interessava, como o Setor dos Funcionários, Campinas. Aí eu ia subindo e chegava no terminal próximo ao Padre Pelágio. Na região noroeste, tinha feito algumas coisas por ali. O bairro Floresta, onde o filme se passa, fica lá na ponta da cidade e pelo Maps fui chegando, assim. Imaginava que era mais perto do centro, mas fui jogando bem pra lá.
JM - O filme mesmo tem essa preocupação de mostrar como é o bairro, né?
Sim, porque sempre teve essa coisa de sair do lugar comum. Ali tem muitos lugares interessantes. Teve um outro trampo que eu fiz que a gente filmava vários lugares da cidade. Tipo conheci vários outras partes da cidade, como o lado do Novo Mundo, Santa Hilário. Então tinha essa preocupação de conhecer outros bairros de Goiânia.
JM - Larry, como você vê a situação do cinema goiano?
Acho que houve um crescimento gigantesco de produção. Nos últimos dez anos cresceu bastante, seja por universitários ou investimentos. Eu acho que está num caminho… é… de grande qualidade, mas ainda tá se procurando algumas identidades, as várias identidades que são possíveis, né? Acho que parte dela ainda tem uma certa tendência de um tipo de cinema que a gente sempre encontra em festivais. É uma certa estética que segue alguns padrões da galera do Rio de Janeiro e São Paulo. Não é problema nenhum, mas eu me interesso mais quando os filmes começam a destoar um pouco. Só que isso leva um tempo e eu acho que tá nesse tempo.

Diretor comentou o cenário político do País e falou sobre novos projetos. Foto: Cecília Brito
JM - E enquanto idealizador, como você enxerga o momento político pelo qual o Brasil passa, em que a arte está em cheque?
Do ponto de vista político, é preciso brigar mesmo e tal… na verdade, tem de esperar pra ver o que vai acontecer. Mas creio que vai ser difícil. É muito chave para o cinema inteiro pensar em cultura, porque ao mesmo tempo que vai ter produções com viés político e… não sei como é que vai ser isso, assim. Acho que esse momento é um divisor de águas, sabe? Enquanto todo mundo tá querendo enxergar essa luta e essa militância, creio que outras coisas vão surgir fora disso, e que são interessantes. Acaba sendo muito verborrágico. O cinema tá apontando pra outras coisas. Essas tretas políticas fazem com que a arte queira dizer mais, e não aponte coisas e caminhos.
JM - Para o leitor que não te conhece e não conhece seus trampos, você pode falar deles um pouco?
Eu trabalho mais com fotografia, né? Já fiz bastante videoclipe. Fiz um videoclipe com Castelingis e Carne Doce. Meu trampo em geral tem preocupação em entender as coisas que existem em Goiânia. A gente sempre fala que tem muita coisa pra sempre filmar e pra gente sacar… sei lá… que é muito único e muito específico ali da gente. Talvez seja isso de tentar enxergar a gente, porque é isso… olha o tanto que Goiânia é grande, que tem bastante coisa que acontece.
JM - Dentro disso, a gente é condicionado a acreditar que Goiânia é a capital da música sertaneja, né?
Hum.
JM - Mas existe uma outra cena, uma outra galera ali fazendo seu trampo e de forma bem massa.
Até no sertanejo também, sabe? Tem dois projetos que a gente tá fazendo que é sobre isso, tipo de a gente sacar o sertanejo de outra forma. Não dizer que da forma que tá rolando, da forma que a gente tá enxergando é errada. Escutar mais os vários rolês que tem dentro do sertanejo. Tem umas coisas que a gente filmou no Villa Mix. Tipo lá na porta, gravou lá durante todos os dias do festival.
JM - Conversando com a galera?
Também. Foi meio nessa vibe de entrevista, mas também tem algumas coisas encenadas, assim como no Kris Bronze. A ideia é meio essa, de tentar uma certa coerência ali. Quando filmar, ter alguma coerência estética. No Kris, alguma coisa deu certo, é isso.