Marcus Vinícius Beck
Domingos de Oliveira sai de cena
Cinema
Obra do diretor fala sobre amores, família e amigos com pegada essencialmente autobiográfica

Domingos de Oliveira com a atriz Maria Ribeiro: ela dirigiu um documentário em homenagem ao diretor. Foto: Reprodução/ Vejasp
Numa época em que se esperava do cinema brasileiro filmes ‘cabeças’, que tinham como objetivo debater e desvendar a realidade do País, o cineasta Domingos de Oliveira, morto no último sábado (23), enveredou por um caminho que deixou muita gente intrigada: a comédia romântica. Tal alcunha deu a ele o apelido de “Woody Allen brasileiro”, porém esse tipo de comparação merece ser vista com distanciamento, já que temos nossa própria característica cinematográfica.
“Todas as Mulheres do Mundo”, lançado em 1966, tinha ainda outro componente ainda mais intrigante: a atriz Leila Diniz, à época já sua esposa, no papel principal. O longa era uma adaptação da primeira peça de teatro que Domingos dirigiu ( baseada nos contos "A Falseta" e "Memórias de Don Juan" do escritor Eduardo Prado) e fez de Leila (ícone feminista da década de 1960) uma estrela nacional do dia para a noite, tendo relevante papel de destaque nos anos seguintes.
Óbvio que o filme não era apenas ela, mas a tinha como centro de um elenco que contava com atores do calibre de Paulo José, Fauzi Arap, Flávio Migliaco, só para ficar em alguns. Com essa produção, Domingos conseguiu levar os principais prêmios do então nascente Festival de Brasília do Cinema Brasileiro: melhor filme, melhor direção e melhor roteiro. O cinema é cruel com sucesso, e requer que a obra seguinte seja tão boa, ou melhor, que a primeira.
E “Edu Coração de Ouro” acabou sendo recebido, em 1968, como mero desfalque do longa-metragem que o antecedeu. Nele estavam Paulo José e Leila Diniz, mais uma vez, porém a ênfase ia para o lado masculino. Certamente a época não era lá das melhores: 1968 foi um ano maluco demais para que os espectadores buscassem a representação intimista da vida de um jovem carioca, e isso pode ser notado nas produções de Domingos na década seguinte, como o filme “É Simonal”.
Mesmo mostrando a simpatia e o talento do cantor Wilson Simonal e sua parceira na história Irene Stefania, o musical não chegou a emplacar. Sem dúvida 1970 também não era o momento certo para esse tipo de filme (o País assistia ao endurecimento dos milicos com a sanção do Ato Institucional Número 5, acentuando a repressão contra intelectuais, estudantes e artistas), mas Roberto Faria fez um grandioso sucesso ao lançar a trilogia sobre Roberto Carlos.
Vai entender, não é mesmo?
Guinada
Do nada, Domingos de Oliveira deu uma guinada em sua carreira, e investiu no drama soturno “A Culpa”, de 1971, que tinha como virtude a memorável fotografia de Rogério Noel. Assim, não restam dúvidas de que o sucesso de “Todas as Mulheres do Mundo” nada mais foi do que um acaso. A sétima arte, parafraseando o crítico de cinema Inácio Araújo, em texto publicado no jornal Folha de São Paulo, tem mania de ser ingrata – ainda mais no Brasil.
Com a rejeição, o diretor resolveu investir pesado na televisão (onde era ligado antes mesmo de rodar seu primeiro filme) e no teatro (cuja história era antiguíssima), que o ocuparam nos primórdios. Mas eis que, em 1998, surge a surpresa do lançamento de “Amores” no tradicional Festival de Gramado. Eram outra época. Vivia-se o boom provocado pelo fechamento da Embrafilmes, e as leis de incentivo eram novas.
O cinema brasileira buscava alternativas para manter-se vivo. E a estratégia de Domingos de Oliveira, mais uma vez, foi original. Ele por fazer um filme totalmente doméstico, colocando-se à frente do elenco, junto com sua esposa Priscilla Rozembaum, co-roteirista da produção. Era fim de século e questões existenciais voltaram a ocupar o centro da cena, tal como em “Todas as Mulheres do Mundo” – foi aí que o diretor passou a ser conhecido como “Woody Allen brasileiro”.
Dessa forma, a obra de Domingos de Oliveira girou em torno de família, amor, amigos, tendo pegada extremamente autobiográfica. Rolou isso em “Separações”, de 2002, “Feminices”, 2004, e outros. Em “BR-716”, o cineasta volta aos anos de 1960 para contar a história de um jovem que tem a pretensão de ser escritor, evidenciando suas amizades, farras, amores. Era o velho Domingos de Oliveira antes de “Todas as Mulheres do Mundo”.
O sucesso não foi o mesmo, mas ele faturou no Festival de Gramado daquele ano os prêmios de melhor filme e direção, dentre outros. De certo modo, esse retorno à década de 1960, aos anos de juventude de Domingos de Oliveira, colocou um ponto final na vida e na arte dele. Ainda jovem descobriu-se um intimista e fez disso sua verdadeira obra de arte. Domingos de Oliveira de fato está com o nome no seleto rol dos grandes do cinema brasileiro.