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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

A Paris de Hemingway

Literatura

“Paris é uma Festa” retrata a capital francesa em tempos onde havia arte em cada esquina. Ontem, Museu de Notre-Dame foi atingido por incêndio

Ernest Hemingway. Foto: Reprodução


Após incêndio que atingiu a catedral de Notre-Dame, lembrei do romance “Paris é uma Festa”, lançado em 1964, pelo escritor norte-americano Ernest Hemingway. Com memórias alegres e ternas da época em que ele morou em Paris na década de 1920, a obra narra com seu estilo conciso a vibe que pairava sob a cidade luz no período entre guerras, convivendo com os artistas que faziam parte da Geração Perdida (termo criado por Gertrude Stein para designar a geração que lutou durante a juventude na Primeira Guerra Mundial).


Publicado em 1964, três anos após o suicídio do autor de “Por Que os Sinos Dobram”, o livro dá um panorama da capital francesa durante os anos de trégua e cessar fogo em conflitos armados. Hemingway deixa claro ao leitor esse fato como se fosse um imã que atraia os mais influentes artistas do momento, como o pintor Salvador Dalí, o cineasta Luís Buñuel, os escritores Henry Miller, Scott Fitzgerald e James Joyce. O ponto de encontro da maioria eram os cafés - na verdade os estabelecimentos eram mais voltados a servir cerveja e vinho, e serviam como parada obrigatória para a galera trocar ideia.


Hemingway tinha amizade com Gertrude Stein, poeta e romancista norte-americana que adotara Paris como morada na década de 1910, onde escreveu “Autobiografia de Alice B. Toklas”, livro importante naqueles anos. Em sua casa, reuniam-se diversas personalidades, como o crítico de arte Guillaume Apollinaire, o poeta modernista Erza Pound e o pintor Pablo Picasso. Neste trecho de “Paris é uma Festa”, o autor relata cenas onde fica explícito a homossexualidade de Stein e, com isso, passamos a ver diferenças entre ela e Hemingway, já que o romancista americano – apesar de ser transgressor em diversos aspectos – mostrara-se preconceituoso.


Outra passagem interessante (que mereceu, inclusive, um capítulo à parte) era a relação que Hemingway tinha com Fitzgerald. Antes de tornar-se famoso com “O Grande Gatsby”, de 1925, acabou conhecendo o autor em um tumultuado café parisiense, onde ambos estavam tendo uma conversa animada sobre diversos assuntos – ainda que fica evidente as objeções em relação à figura de Fitzgerald. Ele é descrito como um cara fraco para o álcool, que após duas doses de destilado fica trôpego, além de hipocondríaco, acreditando que sempre está à beira da morte.


“Paris é uma Festa” trata-se de um bom exercício narrativo acerca do cotidiano de um escritor na década de 1920, passando por diversos perrengues financeiros, mas “feliz e alegre”. O romance nos mostra ainda a energia que pairava sob Paris antes da ocupação pela Alemanha Nazista, na década de 1930, fator que desencadeou a Segunda Guerra Mundial. Por fim, e creio que seja o detalhe mais relevante, o romance é uma aula de observação dos fatos, dos artistas e das pessoas pela ótica de um autor sarcástico e duro, como Hemingway.


Biografia


Natural de Oak Park, Estado americano de Illinois, em 21 de julho de 1899, o escritor Ernest Hemingway era filho de médico. Quando era criança, acompanhava o pai, clínico geral do interior do país, nos atendimentos realizados em situações degradantes. Essa experiência apareceu em sua obra de forma direta e indireta, tal como nos mostra o romance “Adeus às Armas”, de 1929 – escritor narra como foi a época em que combateu na Primeira Guerra Mundial. Aliás, Hemingway viveu bastante coisa que o marcou e apareceu em sua produção literária.


Depois da guerra, foi para Paris e viveu o clima dos anos 20. Integrou a Geração Perdida de americanos que lá se encontravam – eram, em boa parte, jovens artistas, escritores e intelectuais que bebiam exacerbadamente e tinha talento para as atividades que se propunham a fazer. Em 1923 lançou seu primeiro livro, misturando vários gêneros textuais – fator que foi importante para o amadurecimento do estilo literário que o consagraria.


Na década de 1930 foi atraído pela Guerra Civil Espanhola e para lá se dirigiu como jornalista. Apesar de ter escrito que a situação política na capital Madri era “um carnaval de traição e podridão”, sempre foi fiel à causa republicana. Mais uma vez, da experiência em conflitos armados, fez o romance-reportagem “Por Quem Os Sinos Dobram”, de 1940, cujo título foi tirado de um verso do poeta inglês John Donne. A partir daí, sua obra passou a ser reverenciada no mundo todo por escritores, jornalistas e críticos, ganhando o Prêmio Pulitzer de Ficção, em 1953, o Nobel da Literatura, em 1954.


Leitor assíduo, Hemingway foi influenciado por autores do calibre de Donne, Mark Twain, Gustave Flaubert, Stendhal, Tolstói, Tchecov, Shakespeare, dentre outros. Nos anos seguintes passou a aventurar-se mais e deixou um pouco a escrita de lado, voltando ao ofício, contudo, com a novela “O Velho e o Mar”, de 1952 - nesta época, inclusive, todos pensavam que o talento do escritor já havia se esgotado Em 2 de julho de 1961, com a arma que usava para caçar, deu fim à própria vida, da qual sua obra foi um testemunho de um dos maiores narradores americanos de todos os tempos.


Décadas depois


Hoje, décadas depois do suicídio de Ernest Hemingway, a cidade luz (que foi o paraíso para gerações e mais gerações de poetas, pintores e intelectuais, dentre a qual o escritor foi peça fundamental) sofreu com um ataque àquele que tranquilamente é considerado um dos maiores patrimônios da humanidade: o Museu de Notre-Dame – espaço que protagonizou enredos de Victor Hugo, como em “Corcunda de Notre Dame, publicado em 1831.


Paris, parafraseando o escritor Ernest Hemingway, é uma festa – e o é por conta dos versos eternizados pelo marginal Charles Baudelaire, pelo porra-louca Arthur Rimbaud, pelo apaixonado Paul Verlaine. Paris é uma festa pelos quadros naturalistas de Gustave Coubert (que, por sinal, mostra a vida como ela, sem as amarras inventadas por aloprados e ungidos do moralismo cristão). Para é uma festa pelas bebedeiras de Henry Miller, tal como ele mesmo escreveu em “Dias de Paz Em Clichy”, romance de 1939.


Paris é uma festa pela arte, pela música, pela literatura, pela história, pelas revoltas (vide Revolução Francesa, Comuna de Paris no século XIX, Maio de 68).

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