JM
O Diabo Está Nos Detalhes
Depressão

foto: Júlia lee no protesto contra a ditadura militar , em São Paulo
Sabe aquela sensação inversamente solar e inquietante, que lhe arrebata a alma e gera em você uma vontade iminente de se isolar de tudo e todos? Às vezes essa vontade é construída gradativa e sorrateiramente e te pega de surpresa quando você começa a recusar todos os convites pra sair, mesmo não tendo nada à fazer. Mesmo não tendo uma explicação para você mesmo do porque passar dias e dias deitado na cama olhando pro teto branco, com luzes cintilantes demais pra quem tem astigmatismo e checando mensagens pouco importantes no celular. Sabe quando você quer apenas abafar todos os ruídos externos dentro de uma bolha pessoal e intransferível, que nem cartão de crédito de loja de departamento, que te dá? Pois é. Eu entendo bem.
Muitas vezes, quando saio com as pessoas, me vem aquela sensação de bem estar de quem está recebendo ar puro em seus pulmões. Mesmo fumando um cigarro ou outro pra disfarçar a ansiedade. Me pergunto porque não faço isso mais vezes. Até que, umas duras horas depois, ou menos, já não aguento mais aquele rolê. Acho tudo uma bosta e quero ir pra casa urgentemente, como se tivesse me esquecido de alimentar meu gato durante o dia todo. E eu nem tenho gato.
Outras vezes, quando saio, me pergunto porque não fiquei no meu quarto, assistindo superficialidades na televisão e lembrando que merda é quase que um sinônimo pra minha alma. Como um amálgama de alma e merda. Aliás, como você pode ler na sentença anterior, temos essa tendência autodepreciativa quando estamos sofrendo com humor depressivo. Por mais que nos digam o contrário. Por mais que, em alguns lampejos, achemos que estamos indo muito bem em alguma coisa. Quase sempre, nos achamos impotentes, inaptos e inúteis. Isso é sintoma contumaz dessa doença.
Há uma vontade imensa de apenas abaixar a cabeça sobre a mesa e escondê-la entre os braços, como se eles fossem um casulo, e, ali, debruçado, não ser incomodado por ninguém. Muito menos por um desses idiotas querendo alimentar o próprio ego ao me cutucar e perguntar se estou bem, apenas para ganhar o troféu de altruísta do ano. Eu não estou dizendo que não existam pessoas, que não sejam do seu ciclo íntimo, que genuinamente irão se preocupar com o seu bem-estar. Estou apenas evidenciando que isso não é a regra, seria mais a exceção que confirma a regra.
O ato de querer se isolar é recorrente aos que têm problemas com depressão. Não queremos incomodar. Não queremos falar o que sentimos. Temos vergonha de nos expor. Se alguém pergunta o que temos quando nos vê com a cabeça debruçada sobre a mesa, ou em outro momento de isolamento, respondemos outra coisa qualquer. “Dor de cabeça”, “Me sentindo um pouco enjoado”, “Tentando escutar se a madeira dessa mesa tem algo a dizer.”
Eu fico me perguntando o porque de toda essa vontade de me isolar e de querer que as pessoas não se preocupem comigo. Não me notem. De onde vem essa vontade de me isolar do mundo? Seria algo inato a minha personalidade ou um sintoma da depressão?
Existe uma explicação para esse ímpeto pelo isolamento quando sofremos da doença que provavelmente sofremos, a depressão ou a ansiedade. Pois, o isolamento social na ansiedade ocorre por medo e na depressão ocorre por desânimo. Não existe beleza na solidão quando esta não é uma escolha, mas uma desejo incontrolável do seu âmago. E como dizia o poeta: “A solidão é uma rachadura na parede da sala”. Ou seja, se você não cuidar dela no início, ela tende a crescer e ficar cada vez maior e mais feia, trazendo graves problemas para a estrutura.
Você já reparou o quanto várias pessoas, ultimamente, nas redes sociais, postam e/ou compartilham algo relacionado a serem antissociais? Isso não é por acaso. Um dos primeiros sintomas da depressão é o isolamento social. Apesar de muita gente ainda não acreditar e entender, a depressão é uma doença que está entre as 11 que mais acometem os brasileiros e quase 20% da população sofre, em algum nível, com a ansiedade. segundo a OMS, e relatos de pessoas próximas que sofrem com esse mal, a doença é grave e produz alteração do humor caracterizada por uma tristeza profunda. Um desânimo com tudo e com todos. A perda da autoestima. Da autoconfiança. Da vontade de se relacionar.
Bem, se você tem notado que seu comportamento está mudando, não deixe de buscar ajuda médica. Às vezes, vai sem sua família saber mesmo, se tiver muita vergonha de contar a um conhecido. Sim, eu sei que temos vergonha na maioria das vezes de nos abrir com as pessoas por medo de sermos julgados. Já estamos com a autoestima baixa e não vai ajudar nada sermos taxados como fracos. Eu mesmo sofri bastante pra explicar a conhecidos como a doença me afetava. Mas, se você conseguir, fale com seus pais, marido, esposa, irmão, amiga. Sim, eu sei que é difícil, mas você precisa sair dessa.
Existe também o outro lado. Se você nota essa mudança de comportamento em alguma pessoa próxima, converse com ela. Mas, não seja muito invasivo. Diz que notou que ela anda meio distante. Pergunta se está tudo bem. Diz que ela pode estar com depressão e isso é muito sério. Quando você chega na pessoa já tratando esse tipo de problema como sério e real, a pessoa tende a ter uma abertura maior.
Enfim, nunca deixe de procurar um médico. Um psiquiatra é o mais indicado. Ele irá lhe direcionar a um tratamento. Um psicólogo também pode lhe ajudar a entender a origem do problema. Combater a origem do problema pode ser uma excelente tática pra voltar a sorrir. Fique sempre atento aos sinais. O diabo está nos detalhes.
Exatamente quando tudo vai mal ao nosso redor que é a hora de exaltar a beleza que há onde moramos e no ser que o habita (Dostoiévski)