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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Um ano sem a rebeldia intelectual de Tom Wolfe

Jornalismo Literário

Jornalista literário morreu no dia 14 de maio do ano passado, em Nova Iorque

Tom Wolfe em sua casa, em Nova York, fotografado em 1988 (foto: AFP)


Ousado. Esse era Tom Wolfe. Autor de “Radical Chique e o Novo Jornalismo”, publicado em 2005, uma espécie de bíblia do New Journalism, o jornalista e escritor foi juntamente com Gay Talese, Norman Mailer e Truman Capote responsável por acrescentar ao texto jornalístico elementos da literatura realista do século XIX. Com essa galera, introduziu ainda ao ofício o uso da técnica literária do fluxo de consciência, adotada pelos escritores francês Marcel Proust e irlandês James Joyce nas obras “Em busca do tempo perdido”, de 1908, e “Retrato de um artista quando jovem”, lançada em 1916.


Culto, trabalhou em jornais antes de ficar famoso na década de 1970 com livros que mudariam para sempre a imprensa. Nos diários, dedicou-se às reportagens especiais, de final de semana, humanas, vivas, como as que fazia no The New York Herald Tribune e na revista Esquire - tida como o porta-voz da contracultura norte-americana, nos anos 60. Nesta época, tomou LSD para compreender o rock psicodélico de Jefferson Airplane e Grateful Dead. “Se os Beatles colocaram uma colher de LSD na música, Tom Wolfe colocou um pote no jornalismo”, escreveu o escritor Joaquim Ferreira dos Santos, no prefácio de “Radical Chique e o Novo Jornalismo”.


Antes de continuar, um parêntese: “The Eletric Kook-Aid Acid Test”, de 1968, traz reportagens sobre um grupo que pregava o uso de LSD na Califórnia daquele período. Ao longo da obra, mergulhamos na geração do ácido (o próprio autor, numa das primeiras iniciativas de Jornalismo Gonzo, chegou a experimentar o alucinógeno). No Brasil, o livro foi lançado em 1993 com o título “O Teste do Ácido do Refresco Elétrico”. "Ainda hoje o melhor retrato – ficcional ou não, impresso ou em imagens – da gênese da subcultura hipster dos anos 60", diz o crítico de mídia Jack Shafe, em artigo, sobre os 40 anos da obra.


Um livraço da porra! Bem, como eu ia dizendo, essa trajetória, contudo, teve um ponto final, sem reticências, sem metáfora ou metonímia, em alusão às construções frasais que viraram marca registrada de Wolfe, no ano passado, aos 88 anos, em Nova Iorque... Tom Wolfe, entretanto, deixara um legado que ainda insiste em permanecer vivo e serve como manual, um alento e uma ode à criatividade textual dos escribas (como este que vos batuca), livrando-nos dos chavões pré-concebidos pelas técnicas caducas.


Devoto do realismo de Balzac, já que o Tom Wolfe chegou a estudá-lo em seu doutorado em literatura na década de 1950, acreditava em duas premissas básicas para escrever um texto sóbrio e verossimilhante. “Construir cena por cena, como uma novela; usar maior quantidade de diálogos possíveis; concentrar-se nos detalhes para definir os personagens; e adotar um ponto de vista para contar uma história”, indica. Dizia também que todo repórter deveria entrar na cabeça do personagem para descrever os sentimentos no momento em que a ação se desenrola.


Estilo e ficção


Famoso pela vestimenta impecável e chapéu branquíssimo, Wolfe era um cara simpático, com histórias impressionantes que ganharam a eternidade em suas reportagens, como o perfil que escreveu do boxeador Cassius Clay, popularmente conhecido como Muhammad Ali. Em entrevista ao jornal El País, o escritor relatou como foi a experiência em perfilar um dos maiores boxeadores de todos os tempos, além de - àquela altura - o lutador ser uma figura contrária às ações dos EUA na Guerra do Vietnã.


“Passamos cinco dias juntos e me respondeu tudo, com nada. A diferença foram os detalhes: as conversas com seus companheiros, os aduladores, a noite em que desapareceu de uma casa noturna e nos deixou uma conta monstruosa a pagar…”, contou o jornalista, em uma ocasião, exemplificando como é a apuração de uma matéria com viés literário. Reflexões neste sentido sempre estiveram presentes na vida do escritor. Mas Wolfe nunca negou que o Novo Jornalismo teve várias falhas. “A menos que você seja parte da trama, creio que é um erro escrever em primeira pessoa”, explicou.


Na década de 1980, Tom Wolfe deu uma guinada surpreendente em seu trabalho e lançou o romance “A Fogueira das Vaidades”, que foi levado ao cinema pelo diretor Brian de Palma, no início da década de 1990, com o ator norte-americano Tom Hanks como protagonista. Escrito como uma grande reportagem, a obra foi publicada em série e o consagrou perante o mercado editorial dos EUA, vendendo mais de dois milhões de exemplares e figurando desde então como um dos melhores livros de Wolfe.

“Se os Beatles colocaram uma colher de LSD na música, Tom Wolfe colocou um pote no jornalismo”, Joaquim Ferreira dos Santos, escritor, no prefácio de “Radical Chique e o Novo Jornalismo.


Em 2012, voltou seus olhos aptos a identificar sarcasmo para a cidade Miami, com “Sangue nas Veias”, onde deu vida a uma trama complexa. O romance nasceu quando ele estava preparando seu livro anterior, “Eu sou Charlotte Simmons”, de 2004. Na obra, Wolfe partiu do pressuposto de que a história era como uma fotografia que retrata a América e tem o poder de mudar, ou não, a vida das pessoas. Fez três viagens para Miami, percorreu as ruas da cidade e conversou com imigrantes, e, para essa empreitada, contou com a ajuda de um chefe de polícia que era um antigo amigo seu dos tempos de repórter.


Ainda que seu estilo textual seja totalmente singular, o jeito com que Wolfe conversava não tinha nenhum resquício sequer de sua literatura. A fala era mansa, calma, tranquila. Tinha uma tendência literária tipicamente do sul dos Estados Unidos que o levava a enlaçar uma história como o escritor William Faulkner, nobel da literatura, fazia. Wolfe penetrou nas entranhas da sociedade estadunidense e, a partir dessa experiência, criou personagens que nos levam a várias reflexões, como em “Emboscada no Forte Bragg”, de 1997, obra que fora publicada em parte na revista Rolling Stone, dois anos antes.


Para fechar essa homenagem ao papa do New Journalism, Tom Wolfe é o guru da rebeldia intelectual, do jornalismo frito (nas mais inimagináveis pirações possíveis) e psicodelia transgressora. Se o jornalista Hunter S. Thompson era um demente que se colocava em perigo em prol da reportagem, certamente teve alguém que o antecedeu nesse estilo anárquico, solto e artístico de se fazer jornalismo. E esse cara, sem dúvida, era Tom Wolfe! Esse era o ‘terno branco’. Um ano sem a sua genialidade.

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