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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Documentário relembra prisões de estudantes

Cinema

‘Operação R$ 2,80’ conta como foi a detenção de dois acadêmicos da UFG e um secundarista, em 2014

Filme foi idealizado pelo jornalistas Lucas Xavier e Gabriel Vieira (Reprodução/ Youtube)


As prisões dos então estudantes da Universidade Federal de Goiás (UFG), do curso de Ciências Sociais, Ian Caetano, e Jornalismo, Heitor Vilela, além do secundarista João Marcos, mobilizaram vários setores progressistas - desde adeptos da Teologia da Libertação a Autonomistas, passando por Maoístas e Marxistas Ortodoxos - que se colocaram contra a criminalização dos movimentos sociais na Capital.


No dia 23 de maio de 2014, os três jovens tiveram suas casas invadidas antes das 6 horas por homens vestidos de preto e encapuzados (traje semelhante ao dos militantes que utilizam os métodos da tática Black-Block) e foram conduzidos para a Delegacia de Repressão ao Crime Organizado (Draco), em Campinas, antiga sede do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) durante os anos de chumbo da Ditadura Militar.


Entre as provas de crimes recolhidas pelas autoridades no momento das detenções, havia livros, exemplares de jornais de esquerda, panfletos de lutas sociais ocorridas em Maio de 1968, na França, e microcomputadores. Os jovens foram acusados de depredar mais de cem ônibus na capital goianiense, mas o que constava no inquérito policial era o depoimento de um militar reformado que exercia a função de “gestor de segurança e risco” das empresas de transporte coletivo.


Em crônica publicada no jornal Diário da Manhã desde 2015 (que você pode ler na íntegra acessando este link: https://www.jornalmetamorfose.com/single-post/2019/05/23/Despertador), o jornalista Heitor Vilela, um dos detidos na chamada Operação R$ 2,80, narrou a tensão quando seus pais se depararam com os polícias: “São 5:54 da manhã. Meu pai abre a porta do meu quarto gritando muito nervoso, de susto mesmo: – “Rápido! Acorda! É a polícia que está ali embaixo!”, escreveu.


“Enquanto examinava o documento, tal delegado, de nome Alexandre, com tom agressivo e tentando desnecessariamente impor respeito e superioridade pela voz (desnecessariamente, pois o mesmo junto com sua tropa estava armado até os dentes de uma forma que só tinha visto em filmes) – ’Heitor Vilela é acusado de ser o líder de quebradeiras e vandalismo por toda a cidade! Formação de quadrilha e de ter destruído mais de 100 ônibus nos últimos dias, fora ter incendiado o veículo da Metrobus, dando um prejuízo de mais de dois milhões de reais’”, continuou o jornalista.


Em entrevista ao Jornal Metamorfose, o jornalista contou que sua atuação no movimento se deu no âmbito artístico. “Eu estava atuando principalmente como desenhista e chargista nas manifestações, mas disseram para a gente (Ian Caetano e João Lennon) que queimamos mais de cem ônibus em uma semana. Era uma coisa absurda. Não havia nenhum registro de prova, nada que nos condenasse”, disse Vilela.


O cientista social Ian Caetano afirmou que os policiais chegaram à sua residência por volta das 5h40 daquela manhã. Segundo ele, que morava à época em uma casa no Setor Garavelo, em Aparecida de Goiânia, os homens da lei tocaram o interfone e a mãe dele atendeu. “Eles falaram que eram da polícia e, caso ela não abrisse a porta, eles iriam arrombá-la”, lembra. “Falaram que tinham mandado de busca e apreensão para os meus bens e um mandado de prisão”.


Já João Lennon contou que foi surpreendido pela polícia quando estava saindo de casa para ir à aula. “Como todo dia. Aí veio um carro em minha direção e os caras que estavam dentro começaram a me olhar”, diz. Lennon pensou em avisar os amigos que algo estranho estava acontecendo e que era preciso avisar os colegas de militância, mas não deu tempo: “Eles deram o balão e me cercaram. Tinha cinco policiais fortemente armados”.

Capa do zine sobre a Operação R$ 2,80 que foi defendido pelo jornalista Heitor Vilela na UFG (Heitor Vilela/ Rabiscos e Escarros)

Subversão


Nos autos do inquérito policial, que o Jornal Metamorfose teve acesso, os três foram descritos como “subversivos” – palavra utilizada por agentes da repressão durante a Ditadura Militar para designar manifestantes contrários ao regime. A sociedade civil goianiense, especialmente movimentos sociais e intelectualidade, se indignou com a postura do Poder Judiciário. A Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Goiás (OAB-GO) disse que a prisão infringia direitos fundamentais do ser humano.


Em entrevista ao documentarista Lucas Xavier para o filme “Operação R$ 2,80”, lançado em 2016, que vai ser exibido hoje a partir das 17h30 na Casa Liberté, o cientista político e advogado Francisco Tavares comentou que a operação foi montada com base em alegações falsas para retirar das ruas pessoas que pleiteavam direitos. Para ele, o Estado pensou detalhadamente no método que seria usado para amedrontar outros ativistas.


“Eram pessoas muito bem escolhidas: era o jovem artista que lida com comunicação, que é irreverente. Era o outro que é um bom aluno, pesquisador, que fala outros idiomas, que é sério. É o menino negro da periferia, secundarista. Parecia que tinha um trabalho antropológico de escolha dos acusados”, diz o cientista político e professor da UFG, Francisco Tavares, que também é autor de artigo científico, junto com o hoje cientista social Ian Caetano, sobre as Jornadas de Junho de 2013.


Responsável pela Operação R$ 2,80, o delegado Alexandre Lourenço, da Delegacia Estadual de Repressão e Ações Criminosas Organizadas (Draco), declarou na época que os estudantes eram suspeitos de depredarem pelo menos 100 ônibus do transporte público da capital goianiense. Em entrevista à imprensa na ocasião, o delegado disse que os protestos eram legítimos, porém as prisões teriam de acontecer para evitar que novos casos de violência ocorressem.


Como consequência do processo, Heitor Vilela, Ian Caetano e João Marcos tiveram de ficar por três anos sem se aproximar de manifestações de rua. Na sentença que finalmente os inocentou, em maio de 2017, todavia, o juiz Alexandre Bizzotto fez uma ode ao Estado Democrático de Direito e referenciou o Ato Institucional Número 5 (AI-5), decreto que retirou boa parte das liberdades públicas de cidadania e expressão durante a ditadura militar.


“O apreço às liberdades é a tônica da Constituição Federal da República de 1988”, escreveu o magistrado, acrescentando: “Qualquer tolhimento das liberdades deve observar a razoabilidade e o seu sentido conforme os comandos constitucionais”, completou Bizzotto, no desfecho.


Serviço

‘Operação’ R$ 2,80 na Casa Liberté

Debatedores: Francisco Tavares (FCS-UFG) e Bruno Pena

Data: hoje, quinta-feira

Horário: a partir das 17h30

Onde: Casa Liberté

Endereço: Rua 19, Nº 400, QD. 42, LT. 52 - St. Central

Entrada Franca


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