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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

O décimo chope

Botequim Literário do Beck

Escritor Ernest Hemingway, considerado um dos maiores beberrões da literatura, escreveu parágrafos geniais após beber todas - Foto: Reprodução


Amigo leitor, é preciso ser honesto na puta da vida pelo menos uma vez: este garrancho literário é influenciado pela genial crônica A Sabedoria Que Chega ao Oitavo Chope, do jornalista e escritor Xico Sá. Ao ler os palavras do cara, me deu uma baita vontade de colocar na ponta do lápis alguns pareceres sobre a arte de beber aquela cevada bem gelada - tô até água na boca, cê acredita?


Meus cronistas preferidos, que são daquela turma fodástica carioca das décadas de 1950 e 1960, curtiam o uísque. Antônio Maria, o sujeito que morreu de amor, venera a terceira dose da melhor invenção da Escócia. Com a lábia lubrificada, o hombre fazia as moças mais bonitas, conta Sá, acreditarem que ele - feio pra cacete, diga-se de passagem - era a pessoa mais linda do Rio de Janeiro.


Reflito aqui que a birita sempre esteve presente na história da literatura mundial, e foi responsável pelos melhores parágrafos já escritos. Veja o caso do escritor norte-americano Scott Fitzgerald, por exemplo: O Grande Gatsby, o melhor romance dessa pena burguesa - com licença Sá, mas tive de roubar essa expressão -, foi todo feito com o quinto gim, também um clássico para todos os beberrões que se prezem.


Nada, todavia, eu disse nada, bate a sensação etílica do décimo chope - isso mesmo, do décimo! Não se trata apenas de uma viagem ao fim da noite, meu caro Céline. Longe disso! É um lance necessário para a existência humana. E digo mais: só quem é chegado a biritar irá compreender a relevância social do décimo chope.


O décimo chope. Pode ser naquela espelunca copo sujo do Setor (e como é bão, para usar uma expressão genuinamente goiana, tomar uma nesses lugares) ou nos mais chiques estabelecimentos de Goiânia. A necessidade do décimo chope, no entanto, nasceu após pescoções infindáveis no Diário da Manhã - sexta-feira a gente fechava edições de sábado, domingo e segunda. Como não beber dez chopes para arejar as ideias, porra?


Vamos com calma, porque ainda temos um gigantesco mar de cevada para atravessar. Ei-lo:


O primeiro chope nasce depois de bater ponto na firma. É aquela bebida para colocar as ideias em ordem, projetar outras e tomar decisões definitivas e imprescindíveis acerca do andamento da boêmia.


Palmas para Xico Sá, clap, clap, clap: o segundo chope é uma reflexão ontológica digna da mais densa filosofia hegeliana. Vou, enfim, para a casa assistir ao longa-metragem O Irlandês, ou viajarei em busca da noite perdida?


O terceiro nos vem com o sabor da dúvida.


O quarto faz bem à saúde, nos alimenta, deixa nossa pança estufada.


O quinto, é óbvio, chega automaticamente, a gente nem pede e o garçom percebe nosso copo vazio e trata de enchê-lo - como ir embora, ora pois?


O sexto é uma alegria tola, inexplicável. Nem ligamos para o saldo bancário que pode vir a ficar no vermelho, em caso de uma peregrinação alcoólica. É importante lembrar que, nesta hora, passamos a ser presença marcante na fila do banheiro e discutimos os rumos da economia brasileira com o dono do boteco, sempre com o cotovelo escorado no balcão.


O sétimo, como canta Taiguara em meu ouvido, é servo e cativo.


O oitavo é amigo em tuas mãos. “Vem comigo”, diz a birita, para fazer uma intertextualidade de merda com o autor de Universo No Teu Corpo.


O nono, meu Deus, é um pé no décimo, afinal boêmio com princípios não sai do bar quando a totalidade de biritas dá ímpar. É azar na certa, atestam entendedores das melhores casas do ramo.


O décimo, já conta a situação financeira comprometida após quebrar o gelo com um aquele uísque, é revigorante, fundamental e importante. É a linha da vitória. O problema é que quase não lembramos do desfecho da noite. Tinha um? Dois? Três? Quatro bebedores?


Difícil lembrar.


'Universo no Teu Corpo', do cantor Taiguara

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