Marcus Vinícius Beck
A volta
Música
A banda britânica The Who retorna ao mercado fonográfico com primeiro disco de inéditas desde 2006

Banda The Who durante show na década de 1960 - Foto: Reprodução
Nem o fã mais otimista poderia imaginar que a banda inglesa The Who retornaria e, de quebra, gravaria um disco, o primeiro de inéditas desde Endless Wire, de 2006. Mas rolou, e Who já está disponível nas plataformas de streaming desde a semana passada. É verdade que o disco tem momentos baixos, com músicas que nem de longe possuem a identidade musical do Who, porém é possível encontrar ali riffs eletrizantes, com a cara, a pegada e um ou outro indício daquele rockão visceral que fez do quarteto o mais sujo da Invasão Britânica.
Discos e mais discos do Who entraram para a história do rock: a crítica mordaz à publicidade de The Who Sell Out, de 1967, a ópera-rock Tommy, lançada dois anos depois, Who´s Next, de 1971, e Quadrophenia, de 1973 - só para ficar nestes quatro exemplos. No final dos anos de 1970, porém, a banda saiu do seu estado criativo, e mergulhou numa banheira cheia de escândalos, tretas e tragédias. A primeira da lista foi a morte precoce do baterista Keith Moon, em 1978. E 24 anos depois a do baixista John Entwistle.

Roger Daltrey e Pete Townshend em apresentação na década de 2010 - Foto: Reprodução
Por essas e por outras, a história do quarteto passou longe de ser um mar de calmaria e tranquilidade. E não poderia ser diferente com Who: o vocalista Roger Daltrey e o guitarrista Pete Towshend, inimigos históricos, sequer se encontraram durante as gravações - cada um trabalhou no seu canto. Além de ter a incumbência de fazer com que o The Who tivesse aquela sonoridade da época em que estouraram com My Generation, no início dos anos 60, o produtor americano Dave Sardy precisou ser o meio de campo entre os dois.
Who, que conta com 11 faixas, surpreende o fã da icônica banda inglesa. É infinitamente superior a Endless Wire, mas também não é nada que se compare ao período em que Townshend e companhia enfileiram nas paradas de sucesso uma música atrás da outra. Claro que a gravação em partes, sem os músicos se olhando olho no olho, contribuiu para que o disco soasse meio aleatório, bem ao estilo coletânea de sucessos. E não há, é verdade, um padrão de estilo musical definido na obra: ora é pop, ora é rock, ora é meio country.
Você pode até colocar o disco para tocar no Spotify e tentar comparar as músicas com algum clássico da banda. Detour, a disparadamente melhor canção de Who, tem uma pegada à la Magic Blues. Mas o mais interessante é tentar compreender a cabeça de Townshend. Na década de 1960, o instrumentista dizia que queria morrer antes de ficar velho. Cinco décadas depois, o inconformismo juvenil encontra eco em músicas como Hero Ground Zero e I Don’t Wanna Get Wise, onde ele fala abertamente de velhice e tristeza.
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São versos em que o guitarrista expõe como o fato de não ter morrido cedo pode ter levado ele a ser menos roqueiro. Mas há em Who uma energia honesta que leva o bom e velho rock and roll a um estado bruto, com riffs descaralhantes e ímpeto rebelde - tudo para o que a indústria fonográfica não vem dando muita bola ultimamente. Além disso, Townshend tem plena convicção dos tempos em que vive. Há referências a guerra do Afeganistão, em This Gun Will Misfere, e polarização do Brexit, na música Rockin´in Rage.
55 anos depois da fundação da banda, a única coisa que os fãs não poderiam pensar era num disco de inéditas. Mas ele saiu, e jogou luz sobre uma era conturbada, com conflitos ao redor do mundo, polarização política e menosprezo das grandes gravadoras ao bom e velho rock and roll. Agora, os pontos de interrogação que ficam são: será que a turnê mundial anunciada vai ser capaz de dar vida a canções gravadas num clima treta entre os dois integrantes ainda vivos do The Who? Será que vem mais coisa por aí?
Difícil saber. Aguardemos.
Ficha Técnica
‘Who’
Autor: The Who
Gênero: Rock
Faixas: 11
Gravadora: Polydor
Disco disponível nas plataformas de streaming