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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

Desenhos da afronta

Charges

O universo das charges, cartuns, ilustrações e quadrinhos pulsou em 2019; Jornal Metamorfose relembra trabalhos que ficaram marcados

Charge censurada em exposição que ocorreu na cidade de Porto Alegre em setembro

“Você está cercado de ignorantes! Saia desse livro com as mãos para cima”, escreve a cartunista Laerte Coutinho, 68, numa charge que integrou uma intervenção artística realizada por ela e pelo chargista Angeli, 63, em maio deste ano na Avenida Paulista, em São Paulo. Outro desenho também chamou atenção. Nele, o autor de “Rê Bordosa”, personagem icônico que marcara época na imprensa brasileira durante os anos de 1980, representa engravatados segurando partes rasgadas da Declaração Universal dos Direitos Humanos.


2019 de fato foi um ano agitado para o universo das charges, cartuns, ilustrações e quadrinhos. Houve a tentativa frustrada de censura do prefeito do Rio de Janeiro, Marcello Crivela, de impedir a venda de uma HQ dos Vingadores com beijo homossexual. E episódios como os que foram citados na abertura desta reportagem aconteceram aos montes, e não era para menos: a tensão política foi a matéria-prima para que Bennet, Carlos Latuff, Celso Augusto Schröder, Jean Galvão, Laerte e Angeli cutucassem figuras públicas.


“Nos últimos anos em função da crise, as charges são os grandes documentos desse período histórico em que a gente está vivendo”, pontua o quadrinista Márcio Júnior, 47, ao Metamorfose. De acordo com ele, é possível enumerar muitos chargistas que estão tendo destaque com seus trabalhos, como Gilmar e Daniel Lafayette. “Se a gente quiser num futuro entender o que se passou no Brasil por esses negros anos, a fonte mais fiel será a do cartum e da charge, que continua com certa autonomia e resistência”, analisa.




Criada no século XIX após a consolidação a Revolução Industrial, a charge é um gênero jornalístico opinativo que usa o deboche, o escárnio, a ironia e o sarcasmo para expressar à sociedade reflexões sobre o cotidiano. Seus anos de ouro no Brasil foram durante a ditadura civil e militar, quando nomes como Jaguar e Ziraldo escrachavam os militares nas páginas do extinto jornal O Pasquim. “Quem se leva a sério demais acaba se tornando a maior piada”, diz o ilustrador Heitor Vilela, 25.


Ele acredita que o País passa hoje por uma pulverização de chargistas, com “muita gente produzindo esse tipo de conteúdo”. “Obviamente com um campo fértil de cagadas por parte do poder público e figuras de importância econômica ou política, o trabalho do chargista nunca foi tão fácil no Brasil. Eu diria que o Estado está infestado de caricaturas ambulantes”, reflete. “Porém, tem o outro lado da moeda, que é a falta de grana no bolso do artista, que, ao criticar frontalmente o poder e o status quo, corre riscos de perder emprego”.


Diferença


Márcio Júnior ressalta que é importante fazer uma pequena distinção entre quadrinhos, charges e cartuns - os dois últimos, segundo ele, são resolvidos invariavelmente com apenas uma imagem. “Quadrinhos despertam consciência social na mesma medida que qualquer outra linguagem, seja literatura, cinema, artes plásticas ou a música. Com uma abordagem profunda, eles têm esse poder. É importante salientar que quadrinhos não são voltados apenas para crianças”.


Isso fica claro quando rememoramos o episódio que ocorreu na bienal do Rio de Janeiro, em setembro do ano passado, quando o prefeito Marcello Crivella tentou censurar uma HQ de Os Vingadores onde dois homens davam um beijo. A reação foi imediata: o jornal Folha de São Paulo deu no alto da primeira página o quadrinho que sofreu represália do líder do executivo da Cidade Maravilhosa. Outro caso, este aconteceu lá fora, mostra uma manchete de jornal que foi publicada numa rede social semelhante ao Facebook, e faz alusão ao presidente Jair Bolsonaro - quadrinhos foram escritos pelo brasileiro Rafael Grampá.




Para o ilustrador Heitor Vilela, a linguagem da ilustração em quadrinhos possui maior probabilidade chegar ao grande público do que um ensaio acadêmico. “A linguagem da ilustração em quadrinhos tem amplas possibilidades para se atingir uma consciência social. Certamente é mais acessível do que artigos científicos, por exemplo. Nesse sentido, quadrinhos como Maus, clássico Graphic Novel que trata sobre o nazismo com a analogia entre gatos e ratos, tem bem mais inserção do que um texto com academicista”, conclui.

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