Marcus Vinícius Beck
A cantada nunca deve parar
Botequim Literário do beck

Foto: Cena do longa-metragem “O Homem Que Amava as Mulheres” - Reprodução
A gente chegou em outubro e notei que ainda não fiz neste ano uma das campanhas mais importantes. Sim, amigo leitor (a), falo do panfleto lírico feito pelo jornalista e escritor Xico Sá em seus tempos de coluna e blog na Folha de São Paulo. E, assim como o papai espiritual deste escriba, acredito que é cada vez mais necessária tal cartilha.
Para termos uma noção, a cantada deve ser como a tão sonhada revolução socialista, aquela mesmo que você defendia com afinco em seus anos de estudante e rebeldia. Aliás, quem quiser ver um filme que representa bem isso indico o clássico do cinema francês “O Homem Que Amava as Mulheres”, de Truffaut, o sujeito que filmara o amor como poucos. Obra indispensável da Nouvelle Vague.
Isto posto, peço licença ao nobre companheiro (a) que deve a paciência de chegar até aqui: é importante a gente lembrar que há mulheres pelas quais a cantada é como uma canção de Ronnie Von, sempre será eterna. Outras são como um single de qualquer música sertaneja, e duram pouco mais do que alguns minutos. Logo depois ninguém se recorda mais de nada.
Essas, pondero no alto da divagação boêmia, são uma chatice tremenda e resultam do imediatismo provocado pelo tesão carnal. É importante, no entanto, que a gente reflita nesse caso específico. Ser chatão, daqueles sujeitos que não saem do pé da moça, não é nada legal. Lembre-se do mantra: o corpo é dela e ela faz suas regras. Desencana que a vida é curta, ora pois.
A boa cantada é a cantada que dura pra sempre, como os escritos da francesa Anais Nin e do seu amante, Henry Miller; como as fitas de Agnès Varda e Jean Luc Godard. E mais importante ainda é que depois que rolam as coisas, aí é que a cantada vira obrigatória, quase uma oração dos pobres hombres mal diagramados que se perdem em águas refrescantes.
Por isso, evoco Xico nesta croniquinha de meia tigela: “Porque cantar só para uma noite de sexo é uma pobreza dos diabos, qualquer um animal o faz. Porque cantar, à vera, é cantar todas e não cantar nenhuma ao mesmo tempo. Explico: é espalhar pacientemente a devoção a todas as mulheres como quem espalha sementes nos campos lírios”.
Eita, seu cronista, quanto lirismo carregado de devoção! E digo mais: cantemos hoje, cantemos amanhã, cantemos indiscriminadamente, com o devido perdão ao velho poetinha Vinícius de Moraes, é claro. A cantada proporciona que você ganhe pelo cansaço, quando menos espera, acontece o que tanto sonhava. Sem mais delongas, lute pela arte da cantada permanente.
Agora, passo a bola para o mestre Ronnie Von: “Ah! esse amor que me arrasta, que me faz sofrer/ Mas, me devolve a vida, escondida em quartos que eu não quis dormir/ Ah, esse amor bandido, contido quer me machucar/ Mas, só me traz verdades que a idade, todas não consegue dar/ Abra os braços pra me guardar, que eu todo vou me entregar/ Começo, meio e fim e a minha cuca ruim”.