- Rosângela Aguiar
A distopia e as incongruências do mundo
Tiradentes
Curtas da Mostra Foco - Parte 1, da 24º edição do festival, surpreende com experimentalismo estético e pouco questionamento social

Curta-metragem "Drama Queen" concorre na Mostra Foco da 24º Mostra de Cinema de Tiradentes. Foto: Gabriela Luíza/Divulgação
Isolamento social, restrições, tristeza, melancolia, revolta, indignação, catástrofe, destruição e colapso do mundo que vivemos e muita piração - com uma certa dose de loucura - permeiam os curtas da Mostra Foco – Parte I da 24ª Mostra de Cinema Tiradentes. Esta edição da mostra recebeu 748 inscrições de curtas e mais de 100 transitam pela temática do caos causado pela pandemia da Covid-19 e as limitações impostas a todos, em especial para quem faz cinema. E isto, claro, chamou a atenção dos curadores.
A Mostra Foco – Parte 1 teve a exibição de quatro curtas que cabem muito bem na descrição do início deste parágrafo: Céu de Agosto, de Jasmin Tenucci (SP); A destruição do Planeta Live, de Marcus Curvelo (BA); Lambada Estranha, de Luisa Marques & Darls Miranda (RJ) e Drama Queen, de Gabriela Luiza (MG).
Quatro curtas que transitam nesse universo pandêmico, enclausurado, que leva muitos à reflexão e para roteiristas e diretores: a fazer um filme sobre essa forma de ver o mundo atual. Se por um lado a fotografia tem destaque, como em “A Destruição do Planeta Live”, em preto e branco, ou a composição das imagens aliadas ao som incidental, ambiente, de “Céu de Agosto” e de “Drama Queen”, o expectador mais desavisado não vai entender muito a história que o diretor quer contar, porque ela não é clara e em alguns casos, até meio confusa e sem nenhum sentido apesar dos toscos efeitos, propositais, talvez, de “Lambada Estranha”. Estranho mesmo é assistir de forma desavisada filmes que de tão experimentais, você termina sem entender direito qual a mensagem que quer ser transmitida.
Quem acompanhou o Encontro com Filmes – Mostra Foco I – no início da tarde desta terça, 26, conseguiu entender um pouco melhor o que os diretores quiseram dizer com seus curtas. Como explica Gabriela Luiza, “Drama Queen” é “um grande deboche”. A diretora esclareceu que o filme foi feito em um momento pré-pandemia, mas que não deixa de tratar da distopia mundial que o planeta enfrenta. “O humor é uma chave política e nos dá a possibilidade de acessar as pessoas mesmo quando elas estão rindo sem entender muito do porque do riso”, explica Gabriela Luiza diretora desse filme-ensaio que, segundo ela, era para ser um documentário.
“Em todos os meus filmes eu flerto com o fracasso e suas diversas variações. É uma forma de tentar sobreviver e transformar o fracasso em algo produtivo, que mantém o movimento diante da impotência e incapacidade que sinto de fazer coisas efetivas na minha vida e ao redor dela”, explica o baiano Marcus Curvelo, diretor de “A Destruição do Planeta Live”. A destruição do planeta e essa sensação de fracasso ficam evidente em outros filmes do diretor, segundo ele próprio.
Não é fácil entender o processo de criação porque ele é único de cada artista e traz sempre seus dramas pessoais diante da vida que está aí e suas percepções do mundo. E levando em consideração o momento que passamos em função da pandemia, não podíamos esperar menos do que “fritação” nos curtas, mas alguns extrapolam. Este é o caso de “Lambada Estranha”, dirigido por Luisa Marques. O filme se passa dentro de uma piscina icônica de um prédio de Santa Teresa no Rio de Janeiro. A piscina do Raposão, como é chamada pelos moradores do bairro, é o cenário da chegada de extraterrestres em mundo sem água e pegando fogo. Os personagens dançam ao som da lambada, ritmo que caiu no gosto popular no final da década de 80, e pronto. Alguns efeitos de fogo e raios dão o toque para a tal destruição do mundo.
Questionada na roda de conversa do por que tratar o universo da gravidez em um mundo caótico e em destruição, Jasmim Tanucci explicou que essa ideia partiu de uma frase dita por uma tia que sempre a cobrava de ter filhos. “Quando encontrei essa minha tia no dia que o céu ficou escuro em São Paulo em plena tarde e ela me disse para não ter filhos nesse mundo, aquilo ficou martelando na minha cabeça e assim surgiu o curta”, explica. O filme mostra o medo de ter um filho em meio às incertezas vividas pelo planeta e cenas sutis anunciam essa destruição, como a morte do papagaio e de outro pássaro, pessoas doentes no hospital, o céu escuro, os andares apressados.
Quatro curtas distintos com temática semelhante: a destruição. Mas este não é um privilégio desses quatro curtas. A imagem de um pós-mundo, do caos, do medo, da incerteza, permeia a maioria dos 70 curtas selecionados na Mostra Foco. O vencedor será escolhido pelo júri oficial e levará o Troféu Barroco.