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A esfera pública da mentira

Atualizado: 10 de set. de 2020

Literatura


Em ‘A Máquina do Ódio’, jornalista Patrícia Campos Mello destrincha a indústria clandestina de fake news que alimenta o debate público no Brasil desde 2018



Marcus Vinícius Beck


As fake news são alimentadas pelo ódio. Ao mesmo tempo, sua faceta regida pela fúria ruminosa da raiva reforça a mentira que recai sob o debate público brasileiro desde as eleições de 2018. “É muito fácil ficar perdido em meio à avalanche de informação e desinformação”, escreve Patrícia Campos Mello, em “A Máquina do Ódio”, obra lançada pela Companhia das Letras e disponível para venda em versão digital e impressa. “Em um momento em que informações corretas salvam vidas, as pessoas começaram a desconfiar mais das “tias” do WhatsApp e dos malucos do twitter, governantes aí incluídos”. Ou seja, o jornalismo profissional é um bem à sociedade.


Ainda assim, a jornalista, após ser alvo de ataques tão quixotescos quanto ofensivos por simplesmente reportar a indústria da mentira que elegeu aquele presidente, vê-se obrigada a contar como funcionam as engrenagens da indústria da fake news no Brasil. Foi esse marketing político, guiado pelos robôs e boots nas redes sociais, que favoreceu a ascensão de líderes populistas da extrema-direita mundial, e botou a chamada democracia liberal em cheque nos países mais distintos, como Índia, Reino Unido, EUA, Itália, Indonésia e Brasil.


Com linguagem clara, comum a quem pratica o ofício jornalístico com seriedade, a repórter relata como funcionam os esquemas de obtenção ilegal de dados de usuários que, de acordo com as informações disponíveis em seus perfis, são bombardeados por conteúdos cheios de ressentimento, criando inimigos e vilanizando certos grupos sociais, religiões e ideologias. Essa estratégia, vale lembrar, foi escancarada no documentário “Privacidade Hackeada”, dos diretores Karim Amer, Jehane Noujaim. “Hackearam meu celular. Textos a favor de Bolsonaro foram disparados a partir da minha conta no WhatsApp”, lembra Patrícia.


Do imbróglio-raivoso das teclas do ódio, Patrícia Campos Mello provou as agruras furiosas dos malucos do twitter por, vejam vocês, iluminar a estratégia ilusionista ruminada durante a campanha presidencial de 2018, em cujo pleito saiu-se vencedor ex-capitão Jair Messias Bolsonaro. militar medíocre e militar com inclinações terroristas. “Encontraram uma entrevista que eu havia dado a estudantes da PUC em 2013. Nela, alguém me perguntava sobre meu posicionamento político. E eu, erro supremo, respondia: “Eu sou uma pessoa de esquerda, sempre votei no PT, mas isso não interfere na minha cobertura jornalística, todos os jornalistas votam em alguém”’, diz.


Em “A Máquina do Ódio”, Patrícia recorda-se também de suas coberturas jornalísticas nas eleições realizadas nos Estados Unidos nos anos de 2008, 2012 e 2016, na Índia em 2014 e 2019 e da corrida presidencial brasileira de 2018, onde a indústria das fake news interferiu diretamente no resultado do pleito. Ao mergulhar em seu trabalho, o leitor descobre um universo digital pouco, pra não dizer nada, republicano, compreendendo como ocorre a dinâmica da desinformação e da manipulação da realidade. Patrícia evidencia que o ataque sistemático à imprensa constituiu uma parte essencial para que as engrenagens da máquina do ódio girassem.


Jornalismo profissional


Na pandemia de coronavírus, a indústria da mentira se mostrou mais presente que nunca: “Centenas de estudos publicados demonstrando a eficácia desta ou daquela droga, correntes de fake news pelas redes sociais recomendando métodos esdrúxulos de combate ao vírus, autoridades tentando esconder dados que prejudicam sua imagem, governantes que sugerem que as pessoas injetem desinfetante, que dizem que a doença é uma gripezinha e que não é necessário praticar o distanciamento social”. Mesmo com o alarde desses negacionistas, a população entendeu a importância de jornalistas profissionais compromissados com a exatidão da informação.


Deste modo, observa ela, “a revalorização do jornalismo é um fenômeno mundial”. “Depois de muito tempo em queda, a credibilidade de jornais, sites noticiosos e TVs vem se recuperando. De acordo com uma pesquisa do Datafolha de 10 de abril de 2020, 83% das pessoas confiam nas informações divulgadas pelos telejornais; 79% confiam nos jornais impressos; 72% em sites de notícias; 64% em programas jornalísticos no rádio. Apenas 30% acreditam em informações sobre o coronavírus que chegam pelo Facebook, e 28% pelo WhatsApp”, informa a jornalista, que ganhou recentemente o Maria Moors Cabot, da Universidade Columbia.


A necropolítica, para citar uma expressão do filósofo camaronês Achille Mbembe, alimenta-se da fúria estrepitosa e draconiana das inverdades disseminadas pelo tribunal das redes sociais. Em função disso, a hipercultura da violência encontra terreno fértil para mostrar suas asas da maldade nos apps de comunicação e nas redes, já que “Bolsonaro manteve por semanas a estratégia de minimizar a gravidade da doença e dizer que era invenção da imprensa”. Isto é, o presidente demonstra não ser um sujeito, por assim dizer, atencioso com a moléstia, nem um fã da democracia. É o caso de indagar, portanto: não seria o jornalismo uma resistência à política da morte?


Ficha Técnica


‘A Máquina do Ódio’

Autora: Patrícia Campos Mello

Editora: Companhia das Letras

Gênero: Livro-reportagem

Preço: R$ 39,90 (impresso) e R$ 27,90 (digital)


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