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A história do novo autódromo

Meio Ambiente

Exército Brasileiro, Jair Bolsonaro, finanças mal resolvidas e bilhões de reais investidos. Conheça o que está por trás da construção do novo Autódromo do Rio de Janeiro, na Floresta de Camboatá

Stock Goiânia 500, em 11/2018. Foto: Luiza Maria Saggin


Júlia Aguiar


A Floresta de Camboatá é uma área de 1 milhão e 600 mil metros quadrados, sendo o último trecho plano de Mata Atlântica na cidade do Rio de Janeiro, localizada no bairro de Deodoro, Zona Norte.


O terreno pertencia ao Exército Brasileiro desde 1957, quando o Centro de Instrução de Operações Especiais (CIOpEsp) passou a ocupar o espaço para aulas e treinamentos do alto Comando do Exército. “Camboatá, o nosso forte legendário! Nascente de guerreiros, audazes e leais”, diz a canção oficial da CIOpEsp, que relembra sua história no local. A Floresta de Camboatá era usada para a preparação do exército em territórios que possuem densas matas, como o Haiti e Colômbia.

Porém, em 2012, o Comando do Exército cedeu o espaço ao Ministério do Esporte, por meio de um Acordo de Cooperação Técnico Financeiro no valor de R$ 65.953.951,56 (sessenta e cinco milhões, novecentos e cinquenta e três mil, novecentos e cinquenta e um reais e cinquenta e seis centavos). O acordo publicado no Diário Oficial da União do dia 4 de julho daquele ano afirma que o objetivo da transação era apoiar a implantação de infraestrutura para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de 2016.

Entretanto, nenhuma construção poderia ser feita antes de uma varredura minuciosa e a retirada de 167 mil artefatos explosivos espalhados pela Floresta em decorrência de explosões do Paiol do Exército, que aconteceram entre 1958 e 1960.

Em 28 de dezembro de 2015, o Ministério do Esporte assina o primeiro Aditivo ao Termo de Execução Descentralizada Nº72/2014, que disponibilizava R$ 6.931.392,75 reais para detecção, varredura, limpeza e neutralização de artefatos explosivos. A ação foi realizada pelo 1º Batalhão de Engenharia de Combate e conforme o Relatório Final da Força-Tarefa Camboatá, “as áreas permanentemente alagadas e os cursos d’água não foram objeto de varredura, levando-se em conta a limitação do material e da técnica para execução da tarefa”. Tal documento foi obtido através da Lei de Acesso à Informação pela Agência Sportlight de Jornalismo Investigativo.

2018

Em 8 de maio de 2018, durante a cerimônia comemorativa do Dia da Vitória na 2ª Guerra Mundial, realizada no Aterro do Flamengo, que reuniu militares, o Presidente Jair Bolsonaro, o governador Wilson Witzel e o prefeito Marcelo Crivella, o assunto do novo autódromo do Rio de Janeiro veio à tona. Em discurso, Jair Bolsonaro afirmou que a Fórmula 1 não continuaria em São Paulo em decorrência de dívidas fiscais. O presidente recém-eleito sugeriu que a corrida fosse transferida para a cidade maravilhosa. “O autódromo será construído em seis, sete meses, após o início das obras. De modo que, pela ocasião da Fórmula 1 do ano que vem, ela será realizada no Rio. Serão milhares de empregos, setor hoteleiro feliz com toda certeza, 7 mil empregos diretos e indiretos para sempre. Ganha o Rio de Janeiro, ganha o Brasil. Sem nenhum dinheiro público”, afirmou o Presidente na ocasião.

Em junho, Jair Bolsonaro sugeriu ao prefeito do Rio de Janeiro, Marcello Crivella, que a Floresta de Camboatá fosse usada para a construção do novo autódromo.

2019

Da esquerda para a direita: Wilson Witzel, Jair Bolsonaro, Chase Carey e Flávio Bolsonaro. Foto: Carolina Antunes/PR

Em julho de 2019, o CEO da Rio Motorpark, JR Pereira, acompanhado pelo senador Flávio Bolsonaro (sem partido) e pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) se encontraram com o Presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o CEO da Liberty Media, Chase Carey, para discutir a possível presença da Fórmula 1 na cidade do Rio de Janeiro.

A proposta apresentada pela Prefeitura do Rio de Janeiro foi de aproximadamente 65 milhões de dólares (R$ 353 milhões de reais) para que o torneio fique na cidade por 10 anos. Em dezembro de 2019, a Secretaria de Esporte do Rio de Janeiro aprovou projeto para captação de R$ 302 milhões em incentivos fiscais para que o município receba o Grande Prêmio do Brasil de Fórmula 1 em 2021 e 2022.

A licitação de construção do novo Autódromo foi concedida ao consórcio Rio Motorpark. O projeto tem consultoria da Crown Consulting, com gestão esportiva da CSM, e projeto arquitetônico do alemão Hermann Tilke com as empresas B+ABR Backheuser e Riera, além da Tilke Engineers & Architects.

O Ministério Público Federal (MPF) aponta que o CEO da Rio Motorpark, José Antonio Soares Pereira Júnior, é sócio da Crown Assessoria, que ajudou a montar o edital. O MPF ainda cobrou da Rio Motorpark comprovantes de que a empresa possui 1% do valor estimado do empreendimento, ou seja, cerca de 6 milhões de reais dos 697 milhões orçados. Criada poucos dias antes da licitação, a Rio Motorpark declarou ter capital social de 100 mil reais. O MPF enviou notícia-crime para o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), que investiga o caso.

2020


Em entrevista ao UOL Esportes em maio, o CEO da RioMotorpark, JR Pereira afirma que o grupo tenta acelerar os processos burocráticos durante a pandemia. “De repente, vem o Ministério Público e cria situações que impedem que as coisas caminhem mesmo depois que o governo já tenha indicado que este é um projeto essencial para a cidade e para o estado, pois vai gerar empregos e retorno para o Rio", afirmou Pereira. "Se todo projeto de infraestrutura e de criação de emprego sofrer perseguição do Ministério Público e de movimentos ambientais não-técnicos, o Brasil vai enfrentar um período muito negro pela frente. Tudo está sendo politizado e quem perde é a economia", ressalta o CEO ao UOL Esportes.

A Audiência Pública para a apresentação do Estudo de Impacto Ambiental marcada para 18 de março, foi adiada em decorrência da pandemia, além de remarcada diversas vezes. Enfim, no dia 12 de agosto, aconteceu a Audiência Pública virtual, organizada pelo Instituto Estadual de Ambiente (Inea) com a presença da Rio Motorpark e da empresa Terra Nova, que apresentaram o Estudo de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (IEA/Rima) para a sociedade civil. Durante as 10 horas de discussão, o projeto sofreu duras críticas de ambientalistas e moradores da região, além dos Ministérios Público Estadual e Federal, que afirmaram que o projeto é ilegal.

Em paralelo, no dia 13 de agosto, ocorreu a discussão na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (Alerj) sobre o Projeto de Lei (PL) que amplia o Parque Estadual do Mendanha, estendendo a área para a Floresta de Deodoro. Caso esta lei seja aprovada, fica impedida a construção do autódromo na área. O projeto é de 2013 e foi apresentado na época pelo deputado Carlos Minc (PSB) e o ex-deputado André Lazaroni (MDB).

Na justificativa do PL 4438/2018, fica clara a importância da preservação da Floresta de Camboatá: “a Mata Atlântica, bioma no qual encontra-se inserido todo o Estado do Rio de Janeiro, é composta por diversos ecossistemas integrados entre si. Cada um destes, porém, possui características únicas e abriga espécies nativas específicas. Dentre eles, a chamada “Floresta Ombrófila de Terras Baixas” (FOTB), ou simplesmente mata de terras baixas, é um dos mais raros, uma vez que, precisamente por ocorrerem originalmente em áreas planas próximas ao nível do mar, tais formações florestais foram as primeiras a serem suprimidas pelo avanço da urbanização e das formas tradicionais de uso e ocupação do solo, como a agricultura, a pecuária e a mineração”.

Segundo o relatório do deputado Márcio Pacheco (PSC), entregue durante a sessão do dia 13, o projeto de lei visa legislar em cima de uma área que pertence à União Federal. “Não existe autorização legal expressa que permita ao Estado do Rio de Janeiro incorporar, a seu exclusivo critério, bens e áreas de propriedade da União Federal”, afirma o relatório.

Trecho tirado do relatório entregue pelo Deputado Márcio Pacheco (PSC). Foto: Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro, 14 de agosto de 2020, página 6.

Na Assembleia, a deputada Martha Rocha (PDT) deu um alerta à Prefeitura. “O estudo de impacto feito na localidade apresenta o seguinte traço: “Há possibilidade de explosivos que estejam enterrados em solo em razão dessa área ter sido ocupada num momento anterior por outros órgãos”, afirma Martha. Já o deputado Chicão Bulhões (NOVO), afirma que deixar a região abandonada fará com que a região de Guadalupe e outros bairros seja “tomada por construções irregulares, por milícias. Sabemos que, infelizmente, esta é a realidade no Rio de Janeiro”.

O Projeto de Lei 4438/2018, que tramita na Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, visa ampliar a área de proteção ambiental e, possivelmente, construir um parque para incentivar o turismo ecológico na unidade de conservação, além da preservação de espécies nativas da flora e fauna típicas da Mata Atlântica em terreno plano.


Entenda as consequências ambientais, caso a Floresta de Camboatá seja destruída: https://www.jornalmetamorfose.com/floresta-do-camboata
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