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  • Foto do escritorMarcus Vinícius Beck

A melodia de Luiz Carlos

Resenha

Em cartaz na Mostra de Tiradentes, documentário aborda força poética de Luiz Melodia; obra lhe confere o título de um dos maiores nomes da MPB no século 20

Documentário perfila pérola negra - Foto: Divulgação/ Mostra de Cinema de Tiradentes


O cantor Luiz Melodia (1951-2017) traduziu em suas músicas o lirismo boêmio do Estácio, berço do samba sincopado do Rio de Janeiro. De alguma maneira, Melodia jamais deixou o bairro que corria nas veias, criando uma relação que determinou a trajetória de um dos nomes mais brilhantes e talentosos das últimas décadas a surgir na Música Popular Brasileira: dançarino de fazer cair o queixo, homem elegante, compositor refinado e cantor sofisticado.


Em “Todas as Melodias”, documentário dirigido pelo cineasta Marco Abujamra sobre o cantor, compositor e músico carioca morto há três anos, a viúva do artista - já no início - diz que ela continua com ele e ele com ela. “Sem obsessão. Mas é real. Uma parte dele se foi. Mas outra não vai nunca”, afirma Jane Reis. De fato, a batucada do samba de Melodia parece continuar vagando por aí.


Abujamra tenta abordar diferentes nuances da vida do artista, valendo-se de depoimentos de nomes como Waly Salomão. É como se o roteiro convidasse o espectador para conhecer a vida e obra dele por meio do trinco da fechadura da porta, com imagens do cantor pelas ruas e vielas do Morro de São Carlos gravadas em Super8. Se é para matar a saudade, nada melhor do que a quebrada da soleira.


Para que esse canto e poesia chegasse às rádios, foi preciso uma ajuda do poeta Waly Salomão, que fazia incursões por São Carlos com o artista Hélio Oiticica e o jornalista e letrista Torquato Neto. Jane, aliás, afirma num depoimento que os três foram responsáveis pela formação de Melodia: Torquato escreveu no jornal “Última Hora” sobre “o negro magrinho com composições interessantes do morro do São Carlos”.


“Lembro que quando Gal, aquela mulher linda e gostosíssima, sentava na minha frente de perna aberta, eu não entendia picas. E era uma coisa natural. Tudo aconteceu quando eu já estava quase desistindo da música”, recordou-se Luiz em uma entrevista, de acordo com o jornalista Álvaro Costa e Silva, em texto publicado na revista Quatro Cinco Um. Antes de cruzar o túnel de Copacabana para chegar à casa da musa do desbunde, Melodia tinha sido tipógrafo, atendente de bar, vendedor e caixa de loja.


Talvez por isso tenha conseguido traduzir tão bem o sentimento da brasilidade e a força de um povo explorado. A prova disso se dá no depoimento emocionado de Arnaldo Antunes ao recitar os versos de “Magrelinha”, faixa gravada no disco “Luiz Melodia”, de 1973, além da maravilhosa canção “Pérola Negra”, cujo nome teve um dedinho de Waly: a letra se chamava “My Black” e foi rebatizada para “Pérola Negra”, expressão que estava na letra e era um apelido de um travesti no Estácio.


É importante dizer, contudo, que o filme não tem nada de banal ou esquecível, apesar da condução um tanto burocrática em certas passagens. Além de imagens raras, o cineasta sobrepôs dialeticamente os depoimentos de nomes consagrados da cultura brasileira a partir de reflexões propostas por artistas como Céu e Liniker.


Se “Todas as Melodias” está longe de ser um filme irretocável, também não é uma obra desprezível. Montado com inteligência e obedecendo a uma estrutura tradicional do cinema documental, o longa mostra a força da história de um dos maiores nomes da cultura brasileira, intercalando imagens de shows e depoimentos emocionantes que ajudam a compor a verve poética do artista. “Melodia é uma metáfora”, define Macalé.


A música, de fato, fala por si só ao longo do documentário: é ela que em imortalizou a alma de Luiz Carlos dos Santos e que alavancou uma necessária produção cinematográfica sobre o “Gato Negro”e suas “saídas independentes”. “Olha, às vezes eu não entendo, não, mas eu gosto”, diz Zezé Motta, sobre as composições de Melodia.


Luiz Melodia, sem tirar nem pôr, precisa ser amado. E redescoberto. Nesse sentido, “Todas as Melodias” é um bom começo.


‘Todas as Melodias’

Diretor: Marco Abujamra

Gênero: Documentário

Duração: 1h20

Disponível na Mostra Olhos Livres do Festival de Tiradentes



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