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A pandemia nos tirou muita coisa

Editorial

Crise sanitária e má gestão estão levando a pobreza, falência e piora na saúde mental de toda a população

Trabalhador passa perto de túmulos de vítimas da Covid-19, em Manaus. Foto: Michael Dantas/AFP



Essa semana foi marcada por fatos importantíssimos, destacadamente o maior deles a suspensão das condenações de Lula, permitindo novamente sua elegibilidade, e seu discurso em São José dos Campos. Mas, hoje optamos por um tema mais micro, mais próximo de você leitor, de nós, do dia-a-dia concreto.


O atual (des)governo não nos tirou apenas direitos, mas também liberdade (olhem o exemplo do jovem de Uberlândia preso por conta de um post no Twitter), vem esfarelando a nossa constituição mais e mais (olhem o exemplo da PEC 186, continuação da já terrível PEC do Fim do Mundo), e por ai vai. Porém, destacadamente, o lido, ou melhor, a negligencia com a pandemia, nos tirou muito mais. Nessa semana batemos o recorde de mais de duas mil mortes diárias. E mais do que vidas, a pandemia e o descaso e despreparo do governo, também nos tiraram pequenos prazeres e alegrias cotidianas.


Claro, é preciso seguir medidas de segurança. Não se questiona isso. O cerne aqui é que sem uma atuação efetiva das autoridades isso não se torna parte da solução, mas parte do problema. Já estamos a mais de um ano nessa situação e nas últimas semanas várias cidades vem praticando lockdown. Mas, um lockdown sem que as autoridades criem condições de ajuda e subsistência para pequenos e médios empresários e empreendedores, gera falência e desemprego. Lockdown sem fechar igrejas e escolas não para a contaminação. Lockdown sem perspectiva de renda, de trabalho, de futuro, de vacinação, gera também diversos problemas de saúde mental e segurança alimentar. Os índices de depressão e suicídio subiram no último ano.


Em um âmbito mais intimista, a pandemia e o não lido efetivo dela nós tirou também as pequenas alegrias de cada um. De você poder chamar seus amigos para uma resenha no domingo; de ir na praia despreocupado para ler um livro e comer comidas de procedência duvidosa; de ir na feira domingo de manhã comer pastel e garapa; passar aquela raivazinha de ir no cinema ver um lançamento muito aguardado com sala lotada e sempre chegar um atrasado, que acende a lanterna do celular para achar o assento ou aquela galera que grita em certas cenas; de não pagar cem reais em um botijão de gás, dentre várias outras.


Claro, antes da pandemia não era um paraíso, já estava ruim para todo mundo (afinal, já era governo de extrema-direita conservadora e sistema neoliberal), altos índices de desemprego e precarização do trabalho, etc.


Você que está lendo até pode ser uma dessas pessoas que não liga para uma média de duas mil mortes diárias e está aí fazendo suas festinhas como sempre, reunindo seus amigos que também não se importam, não tem senso de coletividade ou empatia, que só ligam para o hoje e para si próprio e seus interesses.


Mas, nesse editorial, vamos partir de um pressuposto: que você, caro leitor, minimamente se importa e está tentando fazer a sua parte, se cuidando e cuidando das pessoas mais próximas, se precavendo, respeitando minimamente o que a ciência indica. Esse texto é justamente para você, que está já a um ano tentando respeitar as medidas de segurança e da falta que faz pequenas coisas na nossa vida, que as vezes a gente nem percebe, mas no fundo fazem muita falta.


Sabe quando você está andando distraidamente na rua, vê uma pessoa bonita e daí naquele segundo em que vocês se cruzam rola uma troca de olhar e sorrisos? O flerte mais clichê e vagabundo possível? Pois é, não temos mais isso. Rever os amigos ou familiares e abraçar, dar beijo no rosto? Pois é, não temos mais isso. Ir no parque com cachorro, conhecer gente com outros cachorros? Pois é, não dá mais. Ir ao shopping comer despreocupadamente? Não dá mais. Ir a um show qualquer, gritar, pular, sorrir? Pois é, não dá mais.


Parafraseando de forma bem tosca uma frase de uma série: o que faz da humanidade, humanidade (seu caráter humano), é a arte, a filosofia, a música, a história, a dança, a literatura.

Mas, porque? Por que elas, em grande medida, não têm só a capacidade de nos fazer pensar, de refletir, de trazer a crítica; mas elas também, melhor do que outros aspectos na vida em sociedade, nos fazem sentir. As mais diversas emoções, nos mais diversos momentos (todo mundo quando está de coração partido sempre tem uma música que ouve e aquilo te dói de cima a baixo, de dentro para fora, por exemplo, ou quando você lê sobre um fato histórico e se indigna).


Não foi só a pandemia que tirou algumas dessas coisas da gente, mas esse (des)governo também. Porque se tem uma coisa que a extrema-direita não incentiva são as humanidades. E aí você pode falar que agora, em casa, lockdown, a gente tem mais tempo para ler, ver filme, ouvir música, etc. Tem mesmo? Todo mundo tem? Quem ficou desempregado, quem está preocupado com ter dinheiro para pagar contas e comprar comida, quem já teve que cancelar internet para diminuir as despesas, quem tem algum parente com sintomas graves de covid e não consegue UTI...essas pessoas realmente tem cabeça para sentar e realmente ler, assistir, ouvir, dançar, conversar?


Mas, já que ficar falando mal do (des)governo e, especialmente do presidente, pode gerar uma visita da polícia, é melhor a gente focar na pandemia. Quando surgiram a possibilidade das primeiras vacinas, ficamos animados, felizes (saudades carnaval!) e sim, agora temos mais de uma vacina. A gente só não tem aqui no Brasil! Não é uma questão de voltar ao normal, porque, o que é normal?


Nunca mais as coisas serão “normais”, mais a ânsia é para que voltemos a ter, minimamente, esses pequenos prazeres. Que possamos voltar a andar pelas ruas sem máscaras, que possamos conhecer alguém novo e poder apertar a mão da pessoa, ou ficar bêbada no bar, ou ir trabalhar e ver seus colegas de trabalho (mesmo aquele que é chato). Um contato humano sem ser um contato egoísta que coloca em risco as pessoas.


Continuamos, mais de um ano depois, sem um programa efetivo de vacinação. Transformaram o Zé Gotinha em miliciano e as mortes continuam. Em um ano, a humanidade desenvolveu várias vacinas para combater um maldito micróbio (e sim, não estamos desconsiderando que a ciência e a tecnologia sempre são usadas com um propósito, não são neutras). Isso por si só já prova o potencial que temos enquanto humanidade, ou pelo menos uma parte tem, porque a parte que está no comando federal parece estar longe disso (o que faz sentido, já que desprezam o que faz da gente humanidade, nada mais coerente do que não terem senso do que é humano, solidário). O projeto genocida neoliberal está a todo vapor.


E se ao chegar aqui você já está com mais raiva de tudo isso, use o ódio como força motriz. Se organize. Ajude ao próximo da forma que você puder, isso é importante. Tem gente recolhendo doações e montando cesta básica para pessoas que entraram na linha da extrema pobreza. O MST está doando alimentos. Ajude pequenos comerciantes locais, bares e restaurantes comprando seus produtos. Não está fácil para ninguém e não está fácil ter esperanças (ok, o Lula deu esperança para muita gente, mas 2022 está longe, tem gente precisando de ajuda agora). A consciência de classe e a solidariedade precisam permanecer para termos um mínimo de chance e futuro.



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